"Noventa e oito por cento dos automóveis produzidos na Europa têm pelo menos um componente fabricado em Portugal", afirma José Couto, em entrevista à "Vida Económica". O presidente da AFIA sublinha a força, inovação e competitividade da indústria portuguesa de componentes automóveis no cenário europeu. Com os custos dos transportes terrestres a subirem, José Couto defende o desenvolvimento do transporte ferroviário, sobretudo nas ligações com Espanha e além-Pirenéus.
Vida Económica - Entre 2019 e 2024, a indústria portuguesa de componentes para automóveis cresceu a uma taxa média anual de +3,8%, o que contrasta com um decréscimo médio anual de -4,2% na produção automóvel europeia. Como é possível atingir este resultado?
José Couto - Esta performance só é possível graças à resiliência, competitividade e fiabilidade continuamente demonstradas pela indústria junto dos clientes internacionais. Refira-se que 98% dos automóveis produzidos na Europa têm, pelo menos, um componente fabricado em Portugal.
A indústria nacional de componentes automóveis tem apresentado um desempenho claramente superior ao da produção automóvel europeia, devido ao esforço e dinamismo das unidades instaladas no território nacional. Estas, ao crescerem, arrastam um vasto conjunto de subfornecedores, exigindo uma procura constante de capacitação, investimento em investigação, parcerias com diversas universidades de engenharia portuguesas e elevadas taxas de formação dos seus colaboradores fatores que resultam num inequívoco aumento de conhecimento e realização profissional.
VE - Como está o setor a responder ao desafio da mobilidade elétrica e que apoio presta a AFIA?
JC - A indústria portuguesa de componentes automóveis oferece soluções para moldar a mobilidade do futuro inteligente e com baixas emissões de carbono. Estamos a conseguir responder aos desafios dos nossos clientes, do regulador e do novo quadro conceptual da mobilidade. Contudo, não nos podemos iludir: nem tudo depende das empresas!
O papel da AFIA é, e continuará a ser, acompanhar os fabricantes de componentes automóveis, representá-los, defendê-los e ajudá-los a antecipar e gerir os desafios do dia a dia, preparando as empresas para o futuro. Nomeadamente na transição dos modelos de negócio tradicionais para novos modelos que integrem preocupações ambientais, sociais e de boa governação ESG (Environmental, Social & Governance).
VE - Como podemos captar mais investimento direto estrangeiro para o país?
JC - Portugal ou seja, as entidades públicas em coordenação com as privadas deveria ter um plano de contacto com todos os construtores automóveis e com os grandes fornecedores e integradores internacionais de componentes (os chamados Tier 1), com vista à captação dos seus projetos e investimentos.
Devemos promover a imagem do país no exterior, com o objetivo de atrair mais investimento estrangeiro, nomeadamente um novo construtor automóvel que instale uma linha de montagem em Portugal. Tal projeto teria um forte efeito de alavancagem sobre toda a indústria nacional de componentes automóveis.
Mas é importante sublinhar que cabe ao Governo envidar esforços para tornar isso possível. A indústria, compete manter os níveis de competitividade necessários para responder aos desafios.
VE - Ao nível dos custos, que fato- res mais preocupam as empresas?
JC - Um dos fatores que mais preocupa as empresas nacionais é a logística.
Os custos logísticos em Portugal são, na sua maioria, superiores aos de outros países concorrentes. O transporte rodoviário, do qual dependemos quase exclusivamente, verá os seus custos agravarem-se a curto prazo, quer pelo aumento do preço dos combustíveis fósseis, quer pela introdução de taxas ou impostos verdes destinados a desincentivar a sua utilização. O previsível aumento dos custos de transporte terrestre, de e para a Europa, afetará as empresas portuguesas em duas frentes importação e exportação , comprometendo a sua competitividade.
Em contrapartida, o transporte ferroviário apresenta, a médio e longo prazo, um elevado potencial de redução de custos, representando para as empresas do setor automóvel um ganho de competitividade significativo.
Assim, é fundamental assegurar boas ligações ferroviárias com Espanha e além-Pirenéus, preferencialmente com bitolas que evitem transbordos. Deve existir uma estratégia concertada com Espanha e integrada na Rede Transeuropeia de Transportes e na política dos Corredores Europeus, definida pela União Europeia.
VE - Como estão as empresas a enfrentar o desafio da descarbonização e da neutralidade climática?
JC - Apenas uma transformação industrialmente bem-sucedida e socialmente aceite poderá ser politicamente sustentável e atingir o objetivo da neutralidade climática.
Nenhuma tecnologia isolada permitirá alcançar as metas de redução de emissões, mas uma combinação de soluções tecnológicas poderá fazê-lo de forma mais rápida e eficiente. O principal desafio reside na descarbonização das fontes de energia.
Os fabricantes de componentes automóveis estão comprometidos com as metas do Acordo de Paris e empenhados em cumpri-las, utilizando o seu conhecimento e capacidade de inovação.
Por isso, é essencial um trabalho conjunto e um compromisso firme do Governo com o setor, de modo a garantir que este continue relevante no contexto da transição energética e digital.
É fundamental estabelecer um quadro que assegure uma transformação bem gerida, capaz de conduzir à descarbonização e à digitalização da economia. As empresas nacionais têm investido para se manterem na linha da frente desta transição.
AFIA debate o futuro da indústria automóvel
A AFIA vai promover, de 4 a 6 de novembro, no Hotel Solverde, em Vila Nova de Gaia, a 12.- Automotive Industry Week, sob o tema "Thinking Beyond the Transition". O encontro reunirá líderes da indústria automóvel, compradores internacionais, especialistas e decisores políticos para debater os desafios e oportunidades de um setor em plena transformação. O evento, que assume um formato inovador, combina reflexão estratégica com uma forte vertente de negócios e internacionalização. Nos dois primeiros dias, as empresas portuguesas terão oportunidade de apresentar soluções tecnológicas em sessões de "pitch" e participar em visitas técnicas e workshops, destacando temas como "Crossing Opportunities - Automotive x Defence" e "Al in the Automotive Industry", com especialistas da Universidade do Porto. O dia 6 será dedicado às conferências principais, com intervenções de José Couto (AFIA), Matthias Zink (CLEPA), Walt Madeira (S&P Global Mobility) e Madalena Oliveira e Silva (AICEP), entre outros. O programa inclui ainda uma análise geopolítica de António Costa Silva e uma reflexão sobre liderança com Miguel Lopes Cardoso, da Sodecia. O encerramento estará a cargo do primeiro-ministro, Luís Montenegro (a confirmar). Para José Couto, "este encontro é um espaço privilegiado de reflexão e cooperação, que mostra a capacidade de inovação da indústria portuguesa e o seu papel estratégico na economia europeia".
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Comércio
Entrevista a José Couto, presidente da AFIA
Indústria de componentes portuguesa cresce acima da média europeia da produção automóvel.
Vida Económica
03/11/2025
Imprensa Nacional