"Portugal é extremamente aberto a investimento estrangeiro" - Entrevista a Chris Lennon.
CEO da Empowered Startups, o canadiano Chris Lennon, acredita que o nosso país está disposto a receber inovação e tem um ecossistema dinâmico para startups e empreendedores.
Portugal está na mira dos norte- -americanos. Para Chris Lennon, CEO da Empowered Startups, uma empresa canadiana fundada em 2009 e que chegou a Portugal dez anos depois com a missão de atrair profissionais qualificados e investimento direto estrangeiro para o país, "os fatores que mais pesam nesta escolha são o elevado nível de investigação especializada, o facto de Portugal ser um mercado de teste piloto e a proficiência generalizada em inglês". Fica também o elogio ao ecossistema de empreendedorismo português, sendo que o "país já é visto como um polo de inovação e talento, especialmente dentro da União Europeia", considera.
O que torna a sua abordagem única?
A nossa entidade empresarial atual existe desde 2009, mas já realizávamos um trabalho
semelhante antes disso, no Canadá. Foi nessa altura que nos tornámos um pouco mais formalizados, como entidade prévia para capacitar startups. E, em 2014, fomos uma das oito organizações designadas por uma lei do Parlamento canadiano para recrutar e identificar alguns dos melhores empreendedores do mundo, especialistas em áreas essenciais e líderes empresariais, para se estabelecerem no Canadá e aí criarem novas empresas. O pequeno nicho que acrescentámos foi garantir que todas as empresas que estávamos a criar estivessem ligadas a um projeto de investigação em fase inicial, assegurando uma ligação com algo verdadeiramente inovador. Colocávamos todo o tipo de projetos em contacto com a Universidade da Colúmbia Britânica, a Universidade Simon Fraser, o laboratório de mecatrónica, sempre considerando essa ligação como uma peça fundamental do nosso trabalho. Desde logo, alguns estudantes de mestrado, professores e instituições académicas beneficiavam dessa ativida- de. Afinal, existem muitas startups no Canadá - tal como em Portugal - à procura de financiamento, e considerámos que não devíamos redirecionar os fundos que poderiam estar disponíveis para elas, permitindo-lhes continuar a criar as suas próprias empresas.
Qual a razão para em Portugal não termos muitas startups a começarem na investigação ou na área académica?
Não conheço nada especificamente sobre Portugal que o torne diferente de outros países; penso que é uma situação comum. Fui advogado e trabalhei na Universidade da Colúmbia Britânica, primeiro internamente e, depois, como advogado externo durante mais de uma década. É um desafio bastante comum, a indústria e as universidades terem dificuldade em trabalhar em conjunto. Muitos académicos não falam a mesma linguagem que os empresários, o que torna essa colaboração menos óbvia e mais difícil. Além disso, as universidades são, por natureza, instituições conservadoras e burocraticamente complexas, o que dificulta a identificação de caminhos para estabelecer essas ligações. E é aí que nós entramos: ajudamos a captar financiamento da indústria para projetos de investigação e atuamos como um elemento de ligação entre o meio empresarial e a investigação universitária. Connosco, docentes que se dedicam à escrita de artigos e à investigação, mas que têm dificuldade em obter financiamento da indústria, podem entrar gradualmente nesse universo e desenvolver novos projetos.
Portugal é uma porta de entrada fácil para a Europa?
Sim, sem dúvida.
Porquê?
Tentámos apenas outro país, mas achámos que Portugal era suficientemente acessível para não precisarmos de procurar mais alternativas. No entanto, devo dizer que, inicialmente, quando saímos do Canadá à procura de um ponto de apoio na União Europeia, fomos atraídos para França. Começámos a desenvolver alguns dos mesmos projetos lá, motivados pelo facto de um dos nossos fundadores ser cidadão francês. Além disso, tínhamos contactos através do cônsul-geral de França em Van- couver, o que nos facilitou a entrada no país. Depois descobrimos Portugal e lançámos o nosso primeiro projeto em Bragança. A partir daí, expandimo-nos gradualmente para o sul, chegando ao Algarve, que se tornou um verdadeiro viveiro de inovação para nós. Nos primeiros tempos, tínhamos cerca de 20 projetos nessa região e, desde então, esse número cresceu significativamente. Mais tarde, expandimo-nos para Évora e, assim que obtivemos apoio formal do Governo português, através do Ministério da Coesão Territorial, assumimos o compromisso de fazer crescer o programa. Atualmente, temos 15 parcerias formais. Além disso, outras universidades e politécnicos, apesar de não terem assinado um acordo formal connosco, consideram os nossos projetos e estão abertas a colaborar.
Uma parte fundamental da vossa estratégia é o interesse em regiões fora dos grandes centros urbanos. Porquê?
Há dois aspetos a considerar: um beneficia-nos diretamente, e o outro é uma vantagem para Portugal. Foi isso que nos levou a esta abordagem. Queríamos entrar e desenvolver algo que tivesse um impacto real e visível no país, de forma a contribuir significativamente para o ecossistema. Em Lisboa, penso que isso seria muito mais difícil de alcançar.
Sim.
A disponibilidade de investigação de alta qualidade nestas universidades foi um fator decisivo. Muitas destas zonas enfrentam desafios como o envelhecimento da população e a escassez de financiamento industrial, o que as torna menos atrativas para investimentos privados. Por isso, percebemos que poderíamos ter um impacto imediato e significativo. Ao concentrarmo-nos nestas regiões, conseguimos atrair mais
projetos e envolver os melhores investigadores, que produzem investigação de qualidade equivalente à de Lisboa, mas num ambiente mais pequeno e menos competitivo. Além disso, esperamos que, a longo prazo, este trabalho traga benefícios reais para as regiões, criando oportunidades para os estudantes locais. Ao terem acesso a projetos industriais relevantes, aumentam as suas perspetivas de emprego após a formação, seja no setor empresarial ou noutras áreas.
Como é que isso contribui para a atração de talento e o crescimento económico nessas regiões?
Acho que o que estamos a fazer é, acima de tudo, atração de talento, mas de uma forma muito específica e direcionada. Estamos a trazer especialistas altamente qualificados e com sucesso comprovado. No entanto, depois desse primeiro passo, o foco não está tanto na atração de talento estrangeiro, mas sim em criar condições para que algumas indústrias e startups se enraízem nestas regiões, sobretudo nas áreas do interior e junto às universidades. O objetivo é que, idealmente, os estudantes não tenham de sair quando se formam. Mais do que atrair talento de fora de Portugal, trata-se de fixar e consolidar talento nestas regiões, criando oportunidades para que os recém-graduados possam desenvolver as suas carreiras sem precisarem de emigrar.
Pode dar um exemplo de como a capacitação de startups ajudou a criar oportunidades de negócio?
Um exemplo concreto é um projeto no Politécnico da Guarda, liderado por um ex-executivo de um banco de Silicon Valley, que está a desenvolver uma solução baseada em tecnologia blockchain. Já criaram um protótipo para a digitalização e gestão de transcrições e registos de estudantes, com o objetivo de facilitar a transferência de registos entre instituições e combater a fraude. Outro exemplo é um projeto na Universidade da Beira Interior (UBI), liderado por um empreendedor canadiano com experiência em tecnologia médica. Ele está a trabalhar num sistema que combina Inteligência Artificial e diagnósticos por ultrassom, com o objetivo de aumentar a precisão e a velocidade dos exames médicos.
E é um ecossistema organizado?
Sim, é um ecossistema bem estruturado. E uma das razões pelas quais muitos dos nossos empreendedores estrangeiros recorrem a nós não é apenas para investir em investigação, inovação e novos projetos, mas também para ter acesso a esse ecossistema. Muitos deles são business angels, pois já acumularam capital significativo ao longo das suas carreiras. Gostam de apoiar startups em fase inicial, mas rapidamente perceberam que não é assim tão fácil chegar a um novo país e compreender como o ecossistema funciona, especialmente quando se trata de um mercado mais pequeno e interligado. Não estou a dizer que seja o caso específico de Portugal, mas, sem um ponto de entrada claro, pode ser difícil perceber como navegar neste ecossistema. No ano passado, trouxemos alguns dos nossos clientes empreendedores à conferência da Star- tup Portugal, em maio. Dois deles acabaram por investir em startups portuguesas que conheceram no evento. Um deles ficou tão impressionado com o trabalho de um fundador que decidiu comprar imediatamente a empresa, mantendo o fundador como funcionário.

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Investimento
"Portugal é extremamente aberto a investimento estrangeiro"
CEO da Empowered Startups acredita que o nosso país está disposto a receber inovação.
Dinheiro Vivo
14 mar. 2025
Imprensa Nacional