Abner chamaram-lhe os pais, Rubi foi proposta dos médicos chineses. Abner Rubi Lima Marcelino nasceu em Setembro passado a bordo do Arca da Paz, o navio-hospital da marinha de guerra chinesa que durante uma semana atendeu gratuitamente mais de seis mil angolanos no porto de Luanda onde estava atracado.
Foi a segunda vez que a embarcação militar chinesa esteve no porto de Luanda para prestar cuidados de saúde e reforçar a cooperação entre os dois países, no âmbito de um périplo de 215 dias e 13 países denominado "Missão Harmonia-2024", que terminou a 16 de Janeiro deste ano, com o regresso ao porto de Zhoushan, na província de Zhejiang.
Na sua maior e mais longa missão, o Arca da Paz visitou pela primeira vez o Benim e a Mauritânia, tendo passado também por Moçambique, Tanzânia, África do Sul, Gabão e Con- go-Brazzaville. Tratou quase 83 mil pessoas, efectuou cerca de 1400 cirurgias, ajudou 204 pessoas a ver melhor depois de operações às cataratas.
Além disso, enquanto os médicos se encarregavam da harmonia física, os oficiais e os soldados da Marinha do Exército de Libertação do Povo (ELP), nome oficial da marinha de guerra chinesa, tratavam das relações públicas, com seminários, trocas culturais, actividades desportivas ou recebendo a bordo mais de 4800 pessoas. Um intercâmbio propício à paz e harmonia com o píncaro chamado Abner Rubi, a quem os oficiais a bordo concederam a nacionalidade chinesa.
O porto de Luanda, o de Bata, na Guiné Equatorial, o de Lekki, na Nigéria, e o de Walvis Bay, na Namíbia, são dos portos africanos com presença chinesa mais apontados como escolha para o muito assumido objectivo estratégico de Pequim de estabelecer uma base naval militar no Atlântico, num espelho daquilo que já possui no lado oriental do continente desde 2017, no Djibuti, a primeira base militar chinesa fora do seu território.
Segundo um estudo recente do Africa Center for Strategic Studies, dos 78 portos em 32 países de África onde as empresas estatais chinesas são partes interessadas, como construtoras, financiadoras ou operadoras, 35 estão na África Ocidental. Em alguns deles, as empresas chinesas controlaram todo o processo, do financiamento à participação no capital, passando pela construção e as operações. Como é o caso do porto nigeriano de águas profundas de Leldd, um dos mais movimentados do lado ocidental do continente.
Paul Nautyla, o investigador que assina o artigo, identifica sete portos como tendo as características adequadas para futura utilização militar, embora desses só três sejam na África Ocidental: Luanda, Lekki e Walvis Bay. "Outros países, como a Guiné Equatorial, têm sido amplamente especulados como alvos prováveis para futuras bases da Marinha do ELP. No entanto, quando se toma em consideração toda a gama de critérios, parecem menos adequados."
O que diz ao PÚBLICO Ana Lúcia Sá, investigadora no Centro de Estudos Internacionais do Iscte - Instituto Universitário de Lisboa, especialista na Guiné Equatorial, é que a construção da base militar naval em Bata se mantém em pé. "E o regime de Teodoro Obiang, nesse aspecto, é muito coerente com o seu percurso até aqui, de satisfação e manutenção das redes internacionais."
No entanto, passados uns anos desde que se ouviu falar pela primeira vez dessa probabilidade, numa notícia do Wall Street Journal em 2021, que citava documentos e fontes militares norte-americanas, ainda nada avançou. Continua a estar prevista, tal como novos negócios de petróleo com a China, porém, "como pouco avança", Teodorín Obiang tem-se mexido em direcção a outras garantias, com uma aproximação à Rússia, principalmente desde o isolamento internacional de Moscovo por causa da invasão da Ucrânia em 2022.
Walvis Bay e Lobito
Antes da hipótese da base naval em Bata, a imprensa namibiana noticiou em 2015 a possibilidade do porto de Walvis Bay ser o escolhido por Pequim, algo que fez a embaixada chinesa vir a público negar essa informação. No entanto, lembra Nantulya, tendo em conta que, na altura das primeiras notícias de que o porto do Djibuti se tornaria uma base naval militar chinesa, a posição oficial de Pequim foi a mesma, a hipótese nami- biana não foi descartada.
O relatório anual do Banco da Namíbia, ontem divulgado, mostra que China e África do Sul foram as maiores fontes de investimento directo estrangeiro no país, somando em conjunto 53,1%. Notando-se um aumento significativo no sector de transportes, sobretudo por causa da concessão do terminal de contentores de Walvis Bay, que passou este ano para a mão de privados. O porto e o terminal, inaugurados em 2019, foram construídos pela China Har- bour Engineering Company (CHEC).
"Grandes conglomerados como a China Communications Construction Corporation ganham obras como contratantes principais e entregam subcontratos a subsidiárias como a CHEC", explica Nantulya. "É o caso de um dos portos mais movimentados da África Ocidental, o porto de águas profundas de Lekki, na Nigéria.
A CHEC fez a construção e a engenharia, obteve um empréstimo do Banco de Desenvolvimento da China (CDB) e adquiriu uma participação financeira de 54% no porto."
A concessão por 25 anos do terminal de contentores de Walvis Bay foi ganha pela Terminal Investment Limited, pertencente à maior empresa de transporte de contentores do mundo, a italiana MSC, com sede em Genebra. A mesma MSC, através de outra das suas subsidiárias, a Africa Global Logistics, detém há um ano a concessão do terminal mulufunções do porto do Lobito, o segundo maior de Angola, depois da desistência das duas empresas chinesas, China International Trust Investment Corporation e Shandong Port Group, que tinham ganho o concurso em 2022.
De acordo com o jornal económico angolano Expansão, a saída de cena dos chineses deveu-se a mudanças políticas e geoestratégicas. Pequim não terá gostado de ver o Governo angolano a dividir o Corredor do Lobito em duas concessões, uma para a ferrovia e outra para o terminal portuário, e preferiu não ficar apenas com o porto.
Contra-ofensiva dos EUA.
As movimentações norte-americanas durante a Administração de Joe Biden, que culminaram com a primeira visita oficial de um Presidente dos Estados Unidos a Angola em Dezembro, mostram um esforço de aproximação de Washington a Luanda visando, entre outras coisas, fazer o Governo angolano sair um pouco da esfera de influência da China. Um desejo mútuo que o Presidente angolano, João Lourenço, promoveu também porque lhe interessava romper a dependência excessiva da China.
Como dizia ao PÚBLICO na altura Alex Vines, director do Programa África do think tank britânico Chatham House, "trinta anos depois, a escolha do Presidente Biden de fazer de Angola o destaque da sua única viagem a África durante o seu mandato assinala uma parceria muito mais profunda entre Washington e Luanda". Angola é o maior parceiro económico da China em África. Entre 2000 e 2022, foram 45 mil milhões de dólares investidos pela China em Angola, sobretudo na área das energias e dos transportes. Entre eles a reabilitação do Caminho-de-Ferro de Benguela, que o ano passado passou a estar no centro da grande promessa de investimento norte-americano em Angola, na construção do Corredor do Lobito.
Tal como Lourenço procura um equilíbrio entre China e EUA, o Presidente da Nigéria, Bola Tinubu, vem tentando jogar entre as esferas de influência de um e de outro sem ficar preso em nenhuma. Washington dá apoio em termos de formação às forças de segurança nigerianas, realiza exercícios conjuntos e reforça as capacidades de vigilância e segurança marítimas, bem como auxilia no combate ao Boko Haram e a outros grupos extremistas. Pequim continua a ser o principal fornecedor de armas à Nigéria, segundo o Carnegie Endowment for International Peace, em 2021,25% das armas adquiridas por Abuja foram fornecidas pela China.
Mas a presença chinesa na costa da Nigéria tem vindo a aumentar, escreve o think tank norte-americano, nomeadamente com a abertura do porto de águas profundas de Leldd, um investimento de 360 mil milhões de dólares financiado pela China e destinado a transformar Lagos num "motor de desenvolvimento económico". A concessão do porto está maioritariamente nas mãos da China Harbour Engineering Company.
No ano passado, na inauguração do porto de águas profundas, o embaixador da China em Abuja, Cui Jian- chun, citado pelo Africa News, chamou a Leldd "uma porta de entrada para a Nigéria", que permite a Abuja sedimentar o seu futuro com base na iniciativa chinesa da Nova Rota da Seda (BeltandRoadlnitiative).
Camuflado de seda
Em 2020, o Asia Society Policy Insti- tute escrevia que a iniciativa da Nova Rota da Seda, o programa internacional de grandes infra-estruturas envolvendo quase 140 países e mais de um bilião de dólares (trillion, em inglês) em projectos, lançada pelo Presidente Xi Jinping em 2013, estava a ser usada para lá dos ganhos económicos, para fins militares, com o intuito de expandir a capacidade do ELP para zonas de influência norte-ame- ricana. Muitos dos projectos, lembrava o think tank, "têm capacidades de dupla utilização, comercial e militar, e estão cada vez mais ligados às tecnologias e redes digitais e aos sistemas de satélite chineses".
"As preocupações de segurança com a propriedade chinesa de portos ultramarinos dividem-se em três categorias principais", explicava recentemente Thomas X. Hammes num artigo publicado pelo The Atlantic Council. Recolher uma grande quantidade de informação (a) que depois pode ser usada para perturbar os transportes marítimos norte-ameri- canos em caso de conflito (b) e usar os portos para posicionar armas, munições e equipamento de reabastecimento para os seus navios de guerra ou estabelecer zonas interditas à navegação nos principais pontos de estrangulamento marítimo.
A China sempre negou esse uso dual das grandes infra-estruturas, tal como fez com a mais ambiciosa das suas Missões Harmonia até à data. No entanto, no porto de Owendo, no Gabão, um dos visitados pelo Arca da Paz na sua viagem do ano passado, o navio-hospital não deixou de participar num exercício naval conjunto com a Marinha gabonesa.
Pequim tem aproveitado a conjuntura do Gabão depois do golpe de 2023, que pôs fim a 56 anos de ditadura da família Bongo no pequeno país que faz fronteira com a Guiné Equatorial. Em Setembro, quando se encontrou com o seu homólogo, Bri- ce Clotaire Oligui Nguema, em Pequim, Xi Jinping sublinhou que a China estava disposta a reforçar a cooperação entre os dois países em matéria de segurança e da luta contra o terrorismo.
A China começou em Março do ano passado a construir o porto de Port- Gentil-Omboué que deverá estar terminado em 2029 e poderá servir como base naval para a China. Dizem os relatos que a construção já tinha sido acordada com o Presidente deposto Ali Bongo e ficou em banho- maria à espera da definição política pós-golpe. O projecto foi retomado, entretanto, com Oligui Nguema, que é candidato às eleições de 12 de Abril e tem cultivado uma posição dúbia em relação a Pequim.
Se em Setembro, em entrevista à agência Xinhua em Pequim, dizia que "o Gabão espera reforçar a cooperação com a China no desenvolvimento de infra-estruturas", em Outubro, em Washington, o Presidente interino gabonês encontrou-se com secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, tendo ambos concordado "em tomar medidas concretas para aprofundar as relações bilaterais", nomeadamente na "segurança marítima e fronteiriça".
Foi a segunda vez que a embarcação militar chinesa esteve no porto de Luanda para prestar cuidados de saúde e reforçar a cooperação entre os dois países, no âmbito de um périplo de 215 dias e 13 países denominado "Missão Harmonia-2024", que terminou a 16 de Janeiro deste ano, com o regresso ao porto de Zhoushan, na província de Zhejiang.
Na sua maior e mais longa missão, o Arca da Paz visitou pela primeira vez o Benim e a Mauritânia, tendo passado também por Moçambique, Tanzânia, África do Sul, Gabão e Con- go-Brazzaville. Tratou quase 83 mil pessoas, efectuou cerca de 1400 cirurgias, ajudou 204 pessoas a ver melhor depois de operações às cataratas.
Além disso, enquanto os médicos se encarregavam da harmonia física, os oficiais e os soldados da Marinha do Exército de Libertação do Povo (ELP), nome oficial da marinha de guerra chinesa, tratavam das relações públicas, com seminários, trocas culturais, actividades desportivas ou recebendo a bordo mais de 4800 pessoas. Um intercâmbio propício à paz e harmonia com o píncaro chamado Abner Rubi, a quem os oficiais a bordo concederam a nacionalidade chinesa.
O porto de Luanda, o de Bata, na Guiné Equatorial, o de Lekki, na Nigéria, e o de Walvis Bay, na Namíbia, são dos portos africanos com presença chinesa mais apontados como escolha para o muito assumido objectivo estratégico de Pequim de estabelecer uma base naval militar no Atlântico, num espelho daquilo que já possui no lado oriental do continente desde 2017, no Djibuti, a primeira base militar chinesa fora do seu território.
Segundo um estudo recente do Africa Center for Strategic Studies, dos 78 portos em 32 países de África onde as empresas estatais chinesas são partes interessadas, como construtoras, financiadoras ou operadoras, 35 estão na África Ocidental. Em alguns deles, as empresas chinesas controlaram todo o processo, do financiamento à participação no capital, passando pela construção e as operações. Como é o caso do porto nigeriano de águas profundas de Leldd, um dos mais movimentados do lado ocidental do continente.
Paul Nautyla, o investigador que assina o artigo, identifica sete portos como tendo as características adequadas para futura utilização militar, embora desses só três sejam na África Ocidental: Luanda, Lekki e Walvis Bay. "Outros países, como a Guiné Equatorial, têm sido amplamente especulados como alvos prováveis para futuras bases da Marinha do ELP. No entanto, quando se toma em consideração toda a gama de critérios, parecem menos adequados."
O que diz ao PÚBLICO Ana Lúcia Sá, investigadora no Centro de Estudos Internacionais do Iscte - Instituto Universitário de Lisboa, especialista na Guiné Equatorial, é que a construção da base militar naval em Bata se mantém em pé. "E o regime de Teodoro Obiang, nesse aspecto, é muito coerente com o seu percurso até aqui, de satisfação e manutenção das redes internacionais."
No entanto, passados uns anos desde que se ouviu falar pela primeira vez dessa probabilidade, numa notícia do Wall Street Journal em 2021, que citava documentos e fontes militares norte-americanas, ainda nada avançou. Continua a estar prevista, tal como novos negócios de petróleo com a China, porém, "como pouco avança", Teodorín Obiang tem-se mexido em direcção a outras garantias, com uma aproximação à Rússia, principalmente desde o isolamento internacional de Moscovo por causa da invasão da Ucrânia em 2022.
Walvis Bay e Lobito
Antes da hipótese da base naval em Bata, a imprensa namibiana noticiou em 2015 a possibilidade do porto de Walvis Bay ser o escolhido por Pequim, algo que fez a embaixada chinesa vir a público negar essa informação. No entanto, lembra Nantulya, tendo em conta que, na altura das primeiras notícias de que o porto do Djibuti se tornaria uma base naval militar chinesa, a posição oficial de Pequim foi a mesma, a hipótese nami- biana não foi descartada.
O relatório anual do Banco da Namíbia, ontem divulgado, mostra que China e África do Sul foram as maiores fontes de investimento directo estrangeiro no país, somando em conjunto 53,1%. Notando-se um aumento significativo no sector de transportes, sobretudo por causa da concessão do terminal de contentores de Walvis Bay, que passou este ano para a mão de privados. O porto e o terminal, inaugurados em 2019, foram construídos pela China Har- bour Engineering Company (CHEC).
"Grandes conglomerados como a China Communications Construction Corporation ganham obras como contratantes principais e entregam subcontratos a subsidiárias como a CHEC", explica Nantulya. "É o caso de um dos portos mais movimentados da África Ocidental, o porto de águas profundas de Lekki, na Nigéria.
A CHEC fez a construção e a engenharia, obteve um empréstimo do Banco de Desenvolvimento da China (CDB) e adquiriu uma participação financeira de 54% no porto."
A concessão por 25 anos do terminal de contentores de Walvis Bay foi ganha pela Terminal Investment Limited, pertencente à maior empresa de transporte de contentores do mundo, a italiana MSC, com sede em Genebra. A mesma MSC, através de outra das suas subsidiárias, a Africa Global Logistics, detém há um ano a concessão do terminal mulufunções do porto do Lobito, o segundo maior de Angola, depois da desistência das duas empresas chinesas, China International Trust Investment Corporation e Shandong Port Group, que tinham ganho o concurso em 2022.
De acordo com o jornal económico angolano Expansão, a saída de cena dos chineses deveu-se a mudanças políticas e geoestratégicas. Pequim não terá gostado de ver o Governo angolano a dividir o Corredor do Lobito em duas concessões, uma para a ferrovia e outra para o terminal portuário, e preferiu não ficar apenas com o porto.
Contra-ofensiva dos EUA.
As movimentações norte-americanas durante a Administração de Joe Biden, que culminaram com a primeira visita oficial de um Presidente dos Estados Unidos a Angola em Dezembro, mostram um esforço de aproximação de Washington a Luanda visando, entre outras coisas, fazer o Governo angolano sair um pouco da esfera de influência da China. Um desejo mútuo que o Presidente angolano, João Lourenço, promoveu também porque lhe interessava romper a dependência excessiva da China.
Como dizia ao PÚBLICO na altura Alex Vines, director do Programa África do think tank britânico Chatham House, "trinta anos depois, a escolha do Presidente Biden de fazer de Angola o destaque da sua única viagem a África durante o seu mandato assinala uma parceria muito mais profunda entre Washington e Luanda". Angola é o maior parceiro económico da China em África. Entre 2000 e 2022, foram 45 mil milhões de dólares investidos pela China em Angola, sobretudo na área das energias e dos transportes. Entre eles a reabilitação do Caminho-de-Ferro de Benguela, que o ano passado passou a estar no centro da grande promessa de investimento norte-americano em Angola, na construção do Corredor do Lobito.
Tal como Lourenço procura um equilíbrio entre China e EUA, o Presidente da Nigéria, Bola Tinubu, vem tentando jogar entre as esferas de influência de um e de outro sem ficar preso em nenhuma. Washington dá apoio em termos de formação às forças de segurança nigerianas, realiza exercícios conjuntos e reforça as capacidades de vigilância e segurança marítimas, bem como auxilia no combate ao Boko Haram e a outros grupos extremistas. Pequim continua a ser o principal fornecedor de armas à Nigéria, segundo o Carnegie Endowment for International Peace, em 2021,25% das armas adquiridas por Abuja foram fornecidas pela China.
Mas a presença chinesa na costa da Nigéria tem vindo a aumentar, escreve o think tank norte-americano, nomeadamente com a abertura do porto de águas profundas de Leldd, um investimento de 360 mil milhões de dólares financiado pela China e destinado a transformar Lagos num "motor de desenvolvimento económico". A concessão do porto está maioritariamente nas mãos da China Harbour Engineering Company.
No ano passado, na inauguração do porto de águas profundas, o embaixador da China em Abuja, Cui Jian- chun, citado pelo Africa News, chamou a Leldd "uma porta de entrada para a Nigéria", que permite a Abuja sedimentar o seu futuro com base na iniciativa chinesa da Nova Rota da Seda (BeltandRoadlnitiative).
Camuflado de seda
Em 2020, o Asia Society Policy Insti- tute escrevia que a iniciativa da Nova Rota da Seda, o programa internacional de grandes infra-estruturas envolvendo quase 140 países e mais de um bilião de dólares (trillion, em inglês) em projectos, lançada pelo Presidente Xi Jinping em 2013, estava a ser usada para lá dos ganhos económicos, para fins militares, com o intuito de expandir a capacidade do ELP para zonas de influência norte-ame- ricana. Muitos dos projectos, lembrava o think tank, "têm capacidades de dupla utilização, comercial e militar, e estão cada vez mais ligados às tecnologias e redes digitais e aos sistemas de satélite chineses".
"As preocupações de segurança com a propriedade chinesa de portos ultramarinos dividem-se em três categorias principais", explicava recentemente Thomas X. Hammes num artigo publicado pelo The Atlantic Council. Recolher uma grande quantidade de informação (a) que depois pode ser usada para perturbar os transportes marítimos norte-ameri- canos em caso de conflito (b) e usar os portos para posicionar armas, munições e equipamento de reabastecimento para os seus navios de guerra ou estabelecer zonas interditas à navegação nos principais pontos de estrangulamento marítimo.
A China sempre negou esse uso dual das grandes infra-estruturas, tal como fez com a mais ambiciosa das suas Missões Harmonia até à data. No entanto, no porto de Owendo, no Gabão, um dos visitados pelo Arca da Paz na sua viagem do ano passado, o navio-hospital não deixou de participar num exercício naval conjunto com a Marinha gabonesa.
Pequim tem aproveitado a conjuntura do Gabão depois do golpe de 2023, que pôs fim a 56 anos de ditadura da família Bongo no pequeno país que faz fronteira com a Guiné Equatorial. Em Setembro, quando se encontrou com o seu homólogo, Bri- ce Clotaire Oligui Nguema, em Pequim, Xi Jinping sublinhou que a China estava disposta a reforçar a cooperação entre os dois países em matéria de segurança e da luta contra o terrorismo.
A China começou em Março do ano passado a construir o porto de Port- Gentil-Omboué que deverá estar terminado em 2029 e poderá servir como base naval para a China. Dizem os relatos que a construção já tinha sido acordada com o Presidente deposto Ali Bongo e ficou em banho- maria à espera da definição política pós-golpe. O projecto foi retomado, entretanto, com Oligui Nguema, que é candidato às eleições de 12 de Abril e tem cultivado uma posição dúbia em relação a Pequim.
Se em Setembro, em entrevista à agência Xinhua em Pequim, dizia que "o Gabão espera reforçar a cooperação com a China no desenvolvimento de infra-estruturas", em Outubro, em Washington, o Presidente interino gabonês encontrou-se com secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, tendo ambos concordado "em tomar medidas concretas para aprofundar as relações bilaterais", nomeadamente na "segurança marítima e fronteiriça".