De acordo com o Público, Ricardo Arroja, presidente da AICEP, considera que em Portugal estão a germinar novas empresas e sectores que em breve vão produzir um impulso nas exportações equiparável ao da última década.
Tomou posse em Junho e, na sua primeira entrevista, o economista Ricardo Arroja (de 46 anos) mostra-se confiante nas consequências que um processo de mudança em curso nas empresas portuguesas vai trazer à internacionalização da economia portuguesa. O país, afirma, precisa de um novo ímpeto exportador que, na sua opinião, aparecerá com o reforço das qualificações, a procura de novos sectores e produtos com mais valor acrescentado, ou o investimento estrangeiro.
O sector de exportação teve um excelente desempenho na última década, mas, entretanto, nos últimos anos parece ter estagnado em torno dos 50% do PIB [produto interno bruto]. Isto quer dizer que o potencial exportador do país está congelado, atingiu um limite?
Não, de forma alguma. Significa, provavelmente, que precisamos de um novo ímpeto exportador e, sobretudo, que precisamos de algum tempo. Para que novos sectores exportadores da economia portuguesa consigam ganhar escala e ganhar a robustez que lhes permita substituir outros sectores que outrora foram mais liderantes no processo de exportação.
E esses sectores produtivos estão a germinar, estão a crescer?
Felizmente, estão. Nós, ao longo das décadas passadas, habituámo-nos muito a falar sobre os sectores ditos tradicionais, onde mantemos uma grande capacidade de exportação. Mas, ao longo dos últimos dez anos, temos visto outros sectores em Portugal a germinar, a crescer em termos da sua penetração no mercado
internacional. Estou a falar, por exemplo, de sectores como o alimentar, alguns segmentos também das bebidas. Estou também a falar no sector da aeronáutica, que se junta ao automóvel e que é também reforçado pela própria metalomecânica. Estou a falar também de um conjunto de matérias-primas em Portugal, que também têm vindo a ganhar quota de mercado internacional. Estou a falar em sectores de ponta, como, por exemplo, o sector farmacêutico e as tecnologias de informação. Já para não falar dos serviços, onde o turismo se tem fortalecido como o grande sector de crescimento da economia portuguesa. A própria construção, que frequentemente é tida como mal-amada, também tem conseguido expandir-se e internacionalizar-se.
Já há muitos anos que se fala sobre a necessidade de se aumentar a exportação de bens com valor acrescentado, com incorporação de tecnologia. Mas, para todos os efeitos, as nossas exportações nesse segmento continuam na ordem dos 5,2% do total...
Sim, e esse é um dos tais desafios que temos pela frente. Ou seja, temos que fazer com que essa fasquia aumente com algum significado.
Já andamos a falar nisto há mais de 20 anos...
É verdade, mas, quando falamos de política económica, as coisas geralmente não acontecem no imediato e, portanto, quando falamos de produção de tecnologia, temos, em primeiro lugar, de ter os recursos devidamente qualificados, temos de ter acesso às cadeias de valor internacionais, estratégias de internacionalização e de financiamento que sejam coerentes e compatíveis com o que se pretende atingir. Precisamos de ter um papel muito mais interveniente no que diz respeito à promoção da propriedade intelectual. A verdade, no entanto, é que há potencial. E esse é certamente um dos desafios da AICEP neste novo mandato que se avizinha, em que claramente eu pretendo que a nossa produção exportável de bens de alta tecnologia, e também de serviços, tenham cada vez mais uma proporção maior das exportações totais. E estou convicto de que lá chegaremos.
Se Portugal repetisse o perfil de crescimento das exportações que registou na última década, chegaria acima dos 60% do PIB, o que nos colocaria, de alguma forma, mais perto de países com a mesma dimensão demográfica. A exportação de Portugal ronda os 50% do PIB, mas nos Países Baixos vale 85%, na Bélgica 86%, na República Checa 72%. Ou seja, Portugal não tem, nesta comparação, um grande desempenho...
Todos os casos de países que mencionou conseguiram, de forma mais eficaz, alcançar resultados nos domínios que acabei de mencionar: qualificação das pessoas, valorização da propriedade intelectual, integração em cadeias de valor internacionais. Nós, felizmente, também temos vindo a fazer esse caminho. Quiçá, em alguns domínios, a um ritmo inferior, mas estamos a evoluir. E eu acho muito importante salientar o seguinte: se olharmos para as exportações portuguesas, efectivamente, elas estão aí na fasquia dos 50%, mas vemos que tem havido um descolar. Se olharmos para a situação internacional, vemos que as exportações globais de bens e serviços em percentagem do PIB mundial anda em redor de 30%, um pouco abaixo. E tem estado estagnada desde sensivelmente a grande crise financeira de 2007/2008. Ora, nós, em Portugal, temos feito um caminho muito mais positivo, porque, desde então, as nossas exportações cresceram a grande ritmo e passaram num espaço de pouco mais de uma década, de 30 a 35% do PIB, para os tais quase 50% do PIB. Eu estou em crer que, à medida que nós conseguirmos materializar em ganhos concretos e efectivos os esforços no âmbito da qualificação, na integração das cadeias de valor e no aproveitamento de recursos que até aqui tinham sido, de certa forma, tidos como secundários, conseguiremos concretizar esse salto.
Com outra grande vantagem, do ponto de vista macroeconómico: é que, à medida que as empresas estarão mais internacionalizadas, podemos também almejar empresas cada vez mais produtivas, cada vez mais na ponta e na vanguarda tecnológica e empresas de maior dimensão. Porque o grande desafio macroeconómico em Portugal - e eu fartei-me de estudar e de escrever sobre isso nos últimos dez 15 anos - é precisamente a diminuta dimensão média das empresas portuguesas.
Em Portugal, há grandes empresas internacionais, como a BMW, que montam centros de desenvolvimento, os engenheiros portugueses desenvolvem produtos e depois o valor acrescentado desses produtos é gerado na Alemanha através da manufactura. Isso não é uma certa persistência no modelo de economia do passado?
Eu discordo dessa premissa. Quando uma multinacional dessa dimensão vem para Portugal contratar pessoal altamente qualificado, acontecem vários efeitos, o primeiro dos quais é esse pessoal ter acesso a condições de trabalho que não teria junto da generalidade das empresas em Portugal. Segundo, quando uma multinacional dessa dimensão vem para Portugal, se fizermos bem, certamente que outras actividades de maior valor acrescentado virão por acréscimo. E isso tem acontecido. Nesse percurso, o desafio de Portugal é conseguir sediar em Portugal, cada vez mais, os centros de inovação que essas multinacionais promovem. E é nesse percurso que, penso eu, nós estamos a singrar. Temos motivos para estar optimistas, sabendo de antemão que Portugal está numa concorrência internacional com o conjunto de países que, por sua vez, também estão a fazer o seu trabalho, estão a fazer as suas reformas de longo prazo com a actuação dos custos de contexto administrativos e burocráticos que impedem também sobre as respectivas economias.
Falemos de custos de contexto. Quando tem contactos ou negociações com potenciais investidores estrangeiros, quais são os principais problemas que lhe colocam antes de avançarem com eventuais investimentos em Portugal?
Bem, desde logo, os processos de licenciamento, que em Portugal sabemos que são morosos. Nesse aspecto, tem havido, ao longo dos anos, algumas tentativas de simplificação. Há hoje em dia uma plataforma de licenciamento industrial e ambiental que acaba por agregar diferentes sub-regimes de licenciamento, Mas são processos sempre morosos. Naturalmente, têm que ser processos exigentes. Nós estamos na Europa, portanto estamos num mundo que se pretende como um exemplo em matéria de regulação ambiental, mas aquilo que sucede é que, de facto, há frequentemente queixas, por parte de investidores, pela morosidade dos processos, que não são, às vezes, compatíveis com a realidade dos negócios. Depois, cada vez mais, também há questões que são relacionadas com o provimento de energia. Em Portugal, há um conjunto de investimentos, nomeadamente aqueles ditos investimentos estratégicos, estruturantes, que vão requerer provimento eléctrico maciço comparado com a capacidade que existe actualmente.
Voltando às exportações: o turismo representa já 17,6% das nossas exportações. Não começa a ter um peso demasiado excessivo?
Nós sabemos fazer turismo. Essa é a realidade inegável dos factos. Temos condições naturais para o fazer, sabemos fazê-lo e, portanto, seria de estranhar que Portugal, ao longo dos anos, não se tivesse especializado de alguma forma no turismo. Portanto, não vejo isso como uma má coisa. Pelo contrário. Eu vejo naturalmente isso como também espaço para criar novas oportunidades. Exemplo: porque é que não podemos hoje ir partilhar a nossa experiência na gestão do turismo com outros países? Porque é que nós não podemos exportar serviços de turismo? É uma oportunidade.
Em 2023 o Investimento Directo Estrangeiro [IDE] atingiu os 6.8 mil milhões de euros, mas 3.9 mil milhões foram para o imobiliário. Portugal está a passar ao lado da reindustrialização na Europa?
Não vejo o copo meio vazio dessa forma...
Mas os números mostram que a atractividade da indústria não é tão grande como o negócio do imobiliário...
A atractividade da indústria está, em Portugal, num processo ainda de reajustamento. A pandemia causou uma alteração dos motores de negócio, veio acentuar a fragmentação do comércio internacional, das cadeias de valor. Hoje em dia, há novos fenómenos como o near shoring, que já vinha de trás, mas que se tem vindo a acentuar nos últimos anos, que, ao fim e ao cabo, traz a indústria, a produção para mais próximo dos mercados de consumo. Há também cada vez mais fricções políticas que estão a levar à relocalização por parte das indústrias, o chamado friend shoring, em que os investidores oriundos de uma determinada geografia se posicionam em países que são mais, digamos, politicamente próximos dos seus países de origem. E isso tem levado também a algumas alterações. E tudo isto surge, como eu disse, no espaço de dois, três anos, o que, num processo industrial, é um período relativamente curto.
Mas há sinais de que Portugal vai beneficiar desses movimentos?
Acho que há sinais de que está a acontecer em Portugal. É natural que Portugal venha a beneficiar desses movimentos globais de fragmentação das cadeias de valor. A Europa, provavelmente nos próximos anos, vai-se fechar mais sobre si própria. Isso vai levar a que existam muitas multinacionais que olhem para Portugal de uma forma mais interessada do que nos últimos dez anos, em que, se calhar, comparavam Portugal com outras geografias, nomeadamente na Ásia, em, digamos, modo mais ou menos de igualdade. Hoje em dia isso já não vai acontecer precisamente por causa de novas barreiras e novas protecções que se vão erguer para investimentos industriais, nomeadamente feitos em geografias não-europeias. E, portanto, Portugal pode beneficiar dessa migração. Agora, o que é facto é que temos, do ponto de vista do IDE estrangeiro, um stock de investimento directo estrangeiro em Portugal em redor de 70% do PIB. É um valor que não se compara mal com o resto da Europa.
Com este Governo, a AICEP regressou à tutela da economia. Que ideia tem sobre esta mudança?
A AICEP tem um mandato dual: captar investimento directo estrangeiro para Portugal e promover a internacionalização da economia portuguesa. Depois, tem também um papel fundamental na diplomacia económica e também no contributo para a definição de política económica em Portugal e redução de custos de contexto. Estruturalmente, nós temos um papel muito relevante em política económica. Temos também um trabalho de articulação em termos de diplomacia económica. Portanto, diria que estou de acordo com o facto de a tutela política da AICEP ser o ministro da Economia, sem prejuízo de haver uma articulação muito próxima com os Negócios Estrangeiros, nomeadamente no que diz respeito à nossa presença internacional. Temos mais de 50 delegações espalhadas por esse mundo fora. Portanto, seria estranho que não estivéssemos articulados com os Negócios Estrangeiros, em particular, tendo em conta que os nossos delegados são também conselheiros económicos dos embaixadores mundo fora.

Voltar
AICEP
“Provavelmente precisamos de um novo ímpeto exportador”
Ricardo Arroja, presidente da AICEP, considera que em Portugal estão a germinar novas empresas.
Manuel Carvalho, Público
09 set. 2024
Imprensa Nacional