Sem mudanças, as economias do euro persistirão anémicas. Passados os choques recentes, o FMI não vê mais do que 1,2% de crescimento a médio prazo.
Mas um reforço do investimento público, em linha com o relatório Draghi, permitiria disparar além dos 3%.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) não contraria o prognóstico de lenta agonia para as economias europeias nos próximos anos e, numa segunda opinião, oferece a mesma receita que em setembro foi prescrita pelo italiano Mario Draghi para revigorar o Velho Continente.
Numa altura em que os 27 adiam o debate sobre o que fazer, o Fundo insiste que a resposta estará em mais investimento público, capaz de fazer aumentar o ritmo das economias do euro para um registo praticamente inexistente desde a criação do bloco da moeda única.
A última atualização de Perspetivas Económicas Mundiais do FMI, divulgada nesta terça-feira, vê um cenário de forte reforço do investimento público na União Europeia (UE) - a par com a concretização de uma há muito esperada transformação do modelo económico chinês - como uma espécie de antídoto para uma combinação de fortes riscos descendentes que ensombram a economia mundial: de uma escalada de guerra tarifária dos grandes blocos e maior incerteza nas relações comerciais à renovação dos cortes fiscais de Donald Trump, passando por ressurgimento da inflação nos Estados Unidos com consequências nas condições de financiamento internacionais ou ainda por um recuo nos fluxos migratórios.
Um cenário com todos estes riscos negativos - boa parte deles projetável com uma vitória de Trump nas presidenciais norte-americanas - cortaria 0,8 pontos percentuais ao crescimento mundial projetado para o próximo ano (3,2%, segundo a atualização do FMI) e 1,3 pontos percentuais no ano seguinte. Já um cenário de forte investimento público europeu e de transformação chinesa, combinados, atuariam no sentido oposto: reforçando o PIB mundial em 0,5 pontos percentuais.
A Zona Euro é o bloco que, naturalmente, mais tem a ganhar com o choque de investimento público deste último cenário. O nível de PIB esperado num cenário-base para o médio prazo, em 2029, nas economias da moeda única reflete por agora a expectativa de um crescimento anual que não irá nesse ano além de 1,2%. Ora, um reforço forte de investimento público permitiria levantar esse nível de PIB com 2,5% adicionais de crescimento, também no médio prazo, apontando para 2030. Na prática, significaria assistir acrescimentos bem acima de 3%, em torno do triplo do que se espera agora a médio prazo, e num registo praticamente ausente do histórico da moeda única (houve crescimento acima de 3% apenas nos anos de 2021 e 2022, na recuperação das quebras da pandemia).
O FMI admite que o investimento projetado contribua para uma subida progressiva na taxa de inflação anual da Zona Euro,mas limitada. "A produtividade aumenta, elevando o investimento privado e o PIB potencial e limitando as pressões inflacionistas: a inflação fica 40 pontos-base acima do cenário base no período de 2025 a 2030".
O pressuposto para este cenário é o de que os países da UE aumentassem o investimento público em 1,5% do PIB do bloco ao ano em todo o período de 2025 a 2030, mantendo nos anos seguintes um reforço permanente: 0,5% do PIB acima do nível que existiria sem uma aposta desta natureza. O FMI assume também que metade do investimento adicional seria obtido via défices mais elevados, sendo o restante resultado de reafetações da despesa dos países.
Num momento em que boa parte dos países do euro inicia processos de ajustamento orçamental para reduzirem défices e dívidas excessivos - que, de resto, o FMI recomenda - o relatório não desenvolve a questão do financiamento. Nas recomendações do relatório sobre "O Futuro da Competitividade Europeia", de Mario Draghi, aponta-se para mais recursos próprios da União Europeia e novas emissões de dívida comum, com a expectativa de um reforço anual do investimento próximo dos 5% do PIB conjunto dos 27, mas num esforço repartido entre governos, empresas e famílias.
O cenário desenhado pelo FMI é publicado depois de a discussão no Conselho Europeu sobre o relatório Draghi ter ficado adiada O tema será novamente discutido no próximo mês, quando está marcada reunião informal dos líderes dos 27 em Budapeste, na Hungria.
1,5
REFORÇO
Para acelerar a economia, o FMI assume um reforço anual de investimento público de 1,5% do PIB dos 27 até 2030.
Fonte: FMI
PIB PODE SUBIR 2,5% ACIMA DO PREVISTO
Impacto no nível do PIB da Zona Euro previsto no cenário base, em percentagem
O choque de investimento público assumido pelo FMI reforçaria o cenário- -base de crescimento agora previsto para a Zona Euro a médio prazo (1,2%) em 2,5%. A mudança do modelo económico chinês para maior peso da procura interna também apoiaria ligeiramente as economias do euro.
SUBIDA LIMITADA DA INFLAÇÃO
Impacto na taxa de inflação anual da Zona Euro, em pontos percentuais
Apesar de contribuir para taxas de inflação mais elevadas na Zona Euro, o impacto de um reforço forte de investimento público na UE seria limitado por melhorias na produtividade, segundo o FMI. Também o cenário de transformação na China teria efeitos limitados de subida dos preços.
FMI vê acumulação de fragilidades financeiras globais
Uma aterragem suave da economia é cada vez mais provável e o domar da inflação está a permitir que os bancos centrais cortem as taxas de juro de referência, dois fatores que impulsionam as bolsas e mantêm a volatilidade contida O retrato é feito pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que adverte, contudo, que há "vulnerabilidades crescentes" que podem ampliar choques adversos, "que se tornaram mais prováveis devido à elevada incerteza económica e geopolítica".
"No que diz respeito à estabilidade financeira, o mundo enfrenta um ecrã dividido entre fatores de curto e de médio prazo. A boa notícia é que os riscos de estabilidade financeira a curto prazo permanecem contidos. Porquê? Porque a probabilidade de uma aterragem suave da economia mundial aumentou significativamente. Como a inflação continua a ceder, os principais bancos centrais começaram a reduzir as taxas de juro. Isto está a impulsionar os preços dos ativos, já de si dinâmicos, e a manter moderada a volatilidade dos mercados financeiros", explicam Tobias Adrian, Sheheryar Mahke Jason Wu, do FMI.
Ainda assim, o Relatório sobre a Estabilidade Financeira Mundial identifica duas "áreas de preocupação": a acumulação de vulnerabilidades que pode amplificar futuros choques nos mercados financeiros, bem como a desconexão entre o aumento da incerteza e a volatilidade nas bolsas. É que as mesmas condições financeiras acomodatícias que mantêm os riscos a curto prazo à distância também facilitam a acumulação de vulnerabilidades, como as elevadas valorizações dos ativos, o aumento global da dívida pública e privada e o aumento da utilização de alavancagem pelas instituições financeiras não bancárias.
"Estas vulnerabilidades crescentes podem amplificar os choques adversos, que se tornaram mais prováveis devido à elevada incerteza económica e geopolítica no contexto dos conflitos militares em curso e das políticas futuras incertas dos governos recém-eleitos. Em particular, o crescente desfasamento entre a incerteza e a volatilidade do mercado aumenta a probabilidade de picos súbitos de volatilidade e de uma acentuada reavaliação dos preços dos ativos, que poderá ser amplificada pelas vulnerabilidades", avisa.
O FMI lembra a turbulência do mercado no início de agosto e indica que o episódio dá uma ideia das "reações violentas que podem ocorrer quando os picos de volatilidade interagem com a utilização de alavancagem pelas instituições financeiras para criar reações não lineares no mercado e acelerar as vendas". O Fundo acrescenta que "a incerteza pode também desencadear efeitos de arrastamento trans- fronteiras através das ligações comerciais e financeiras" e salienta a "urgência" de ação por parte dos decisores políticos.
Incerteza [económica e geopolítica] pode desencadear efeitos de arrastamento transfronteiras. Relatório FMI
Mas um reforço do investimento público, em linha com o relatório Draghi, permitiria disparar além dos 3%.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) não contraria o prognóstico de lenta agonia para as economias europeias nos próximos anos e, numa segunda opinião, oferece a mesma receita que em setembro foi prescrita pelo italiano Mario Draghi para revigorar o Velho Continente.
Numa altura em que os 27 adiam o debate sobre o que fazer, o Fundo insiste que a resposta estará em mais investimento público, capaz de fazer aumentar o ritmo das economias do euro para um registo praticamente inexistente desde a criação do bloco da moeda única.
A última atualização de Perspetivas Económicas Mundiais do FMI, divulgada nesta terça-feira, vê um cenário de forte reforço do investimento público na União Europeia (UE) - a par com a concretização de uma há muito esperada transformação do modelo económico chinês - como uma espécie de antídoto para uma combinação de fortes riscos descendentes que ensombram a economia mundial: de uma escalada de guerra tarifária dos grandes blocos e maior incerteza nas relações comerciais à renovação dos cortes fiscais de Donald Trump, passando por ressurgimento da inflação nos Estados Unidos com consequências nas condições de financiamento internacionais ou ainda por um recuo nos fluxos migratórios.
Um cenário com todos estes riscos negativos - boa parte deles projetável com uma vitória de Trump nas presidenciais norte-americanas - cortaria 0,8 pontos percentuais ao crescimento mundial projetado para o próximo ano (3,2%, segundo a atualização do FMI) e 1,3 pontos percentuais no ano seguinte. Já um cenário de forte investimento público europeu e de transformação chinesa, combinados, atuariam no sentido oposto: reforçando o PIB mundial em 0,5 pontos percentuais.
A Zona Euro é o bloco que, naturalmente, mais tem a ganhar com o choque de investimento público deste último cenário. O nível de PIB esperado num cenário-base para o médio prazo, em 2029, nas economias da moeda única reflete por agora a expectativa de um crescimento anual que não irá nesse ano além de 1,2%. Ora, um reforço forte de investimento público permitiria levantar esse nível de PIB com 2,5% adicionais de crescimento, também no médio prazo, apontando para 2030. Na prática, significaria assistir acrescimentos bem acima de 3%, em torno do triplo do que se espera agora a médio prazo, e num registo praticamente ausente do histórico da moeda única (houve crescimento acima de 3% apenas nos anos de 2021 e 2022, na recuperação das quebras da pandemia).
O FMI admite que o investimento projetado contribua para uma subida progressiva na taxa de inflação anual da Zona Euro,mas limitada. "A produtividade aumenta, elevando o investimento privado e o PIB potencial e limitando as pressões inflacionistas: a inflação fica 40 pontos-base acima do cenário base no período de 2025 a 2030".
O pressuposto para este cenário é o de que os países da UE aumentassem o investimento público em 1,5% do PIB do bloco ao ano em todo o período de 2025 a 2030, mantendo nos anos seguintes um reforço permanente: 0,5% do PIB acima do nível que existiria sem uma aposta desta natureza. O FMI assume também que metade do investimento adicional seria obtido via défices mais elevados, sendo o restante resultado de reafetações da despesa dos países.
Num momento em que boa parte dos países do euro inicia processos de ajustamento orçamental para reduzirem défices e dívidas excessivos - que, de resto, o FMI recomenda - o relatório não desenvolve a questão do financiamento. Nas recomendações do relatório sobre "O Futuro da Competitividade Europeia", de Mario Draghi, aponta-se para mais recursos próprios da União Europeia e novas emissões de dívida comum, com a expectativa de um reforço anual do investimento próximo dos 5% do PIB conjunto dos 27, mas num esforço repartido entre governos, empresas e famílias.
O cenário desenhado pelo FMI é publicado depois de a discussão no Conselho Europeu sobre o relatório Draghi ter ficado adiada O tema será novamente discutido no próximo mês, quando está marcada reunião informal dos líderes dos 27 em Budapeste, na Hungria.
1,5
REFORÇO
Para acelerar a economia, o FMI assume um reforço anual de investimento público de 1,5% do PIB dos 27 até 2030.
Fonte: FMI
PIB PODE SUBIR 2,5% ACIMA DO PREVISTO
Impacto no nível do PIB da Zona Euro previsto no cenário base, em percentagem
O choque de investimento público assumido pelo FMI reforçaria o cenário- -base de crescimento agora previsto para a Zona Euro a médio prazo (1,2%) em 2,5%. A mudança do modelo económico chinês para maior peso da procura interna também apoiaria ligeiramente as economias do euro.
SUBIDA LIMITADA DA INFLAÇÃO
Impacto na taxa de inflação anual da Zona Euro, em pontos percentuais
Apesar de contribuir para taxas de inflação mais elevadas na Zona Euro, o impacto de um reforço forte de investimento público na UE seria limitado por melhorias na produtividade, segundo o FMI. Também o cenário de transformação na China teria efeitos limitados de subida dos preços.
FMI vê acumulação de fragilidades financeiras globais
Uma aterragem suave da economia é cada vez mais provável e o domar da inflação está a permitir que os bancos centrais cortem as taxas de juro de referência, dois fatores que impulsionam as bolsas e mantêm a volatilidade contida O retrato é feito pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que adverte, contudo, que há "vulnerabilidades crescentes" que podem ampliar choques adversos, "que se tornaram mais prováveis devido à elevada incerteza económica e geopolítica".
"No que diz respeito à estabilidade financeira, o mundo enfrenta um ecrã dividido entre fatores de curto e de médio prazo. A boa notícia é que os riscos de estabilidade financeira a curto prazo permanecem contidos. Porquê? Porque a probabilidade de uma aterragem suave da economia mundial aumentou significativamente. Como a inflação continua a ceder, os principais bancos centrais começaram a reduzir as taxas de juro. Isto está a impulsionar os preços dos ativos, já de si dinâmicos, e a manter moderada a volatilidade dos mercados financeiros", explicam Tobias Adrian, Sheheryar Mahke Jason Wu, do FMI.
Ainda assim, o Relatório sobre a Estabilidade Financeira Mundial identifica duas "áreas de preocupação": a acumulação de vulnerabilidades que pode amplificar futuros choques nos mercados financeiros, bem como a desconexão entre o aumento da incerteza e a volatilidade nas bolsas. É que as mesmas condições financeiras acomodatícias que mantêm os riscos a curto prazo à distância também facilitam a acumulação de vulnerabilidades, como as elevadas valorizações dos ativos, o aumento global da dívida pública e privada e o aumento da utilização de alavancagem pelas instituições financeiras não bancárias.
"Estas vulnerabilidades crescentes podem amplificar os choques adversos, que se tornaram mais prováveis devido à elevada incerteza económica e geopolítica no contexto dos conflitos militares em curso e das políticas futuras incertas dos governos recém-eleitos. Em particular, o crescente desfasamento entre a incerteza e a volatilidade do mercado aumenta a probabilidade de picos súbitos de volatilidade e de uma acentuada reavaliação dos preços dos ativos, que poderá ser amplificada pelas vulnerabilidades", avisa.
O FMI lembra a turbulência do mercado no início de agosto e indica que o episódio dá uma ideia das "reações violentas que podem ocorrer quando os picos de volatilidade interagem com a utilização de alavancagem pelas instituições financeiras para criar reações não lineares no mercado e acelerar as vendas". O Fundo acrescenta que "a incerteza pode também desencadear efeitos de arrastamento trans- fronteiras através das ligações comerciais e financeiras" e salienta a "urgência" de ação por parte dos decisores políticos.
Incerteza [económica e geopolítica] pode desencadear efeitos de arrastamento transfronteiras. Relatório FMI