Os 15 cabos submarinos de telecomunicações que o país terá nos próximos anos transformam-no numa plataforma de conectividade global e são um dos trunfos do país.
A economia dos dados poderá nos próximos anos dinamizar a captação de mais investimento estrangeiro para Portugal. “Portugal está a tornar-se um hub de interconectividade global e pode somar, até 2030, mais de €10 mil milhões em atuais e novos projetos de investimento em data centers”. Quem o diz é Filipe Santos Costa, que falava ao Expresso das perspetivas de atração de investimento nesta área horas antes de saber que seria afastado da presidência da AICEP — Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal.
Em maio a Amazon Web Services anunciou a intenção de investir €15,7 mil milhões em Espanha, um mercado que, tal como Portugal, goza de condições privilegiadas para a instalação de centros de dados, já que as empresas tecnológicas vêm procurando acesso a energia verde e barata, o que a Península Ibérica está a conseguir sobretudo à boleia da expansão fotovoltaica. Há outros fatores favoráveis: uma rede vasta de cabos submarinos de ligação entre a Europa, África e América do Sul e do Norte, mão de obra qualificada, baixa probabilidade de riscos climáticos e de segurança, e uma boa rede de comunicações, nomeadamente fibra ótica. Mas estará Portugal em condições de atrair investimento em data centers? Poderá a Operação Influencer travar as intenções de investimento estrangeiro?
O Expresso questionou o agora ex-presidente da AICEP sobre o tema, e Filipe Santos Costa não se quis alongar sobre as investigações judiciais (que envolvem a Start Campus, em Sines), mas declarou que “não destruíram” o interesse externo em Portugal na área dos centros de dados. “É bom ver que Portugal está cada vez mais central nisto”, afirmou.
Para o ex-presidente da AICEP, dos €10 mil milhões identificados como potencial investimento em data centers, metade são considerados “mais firmes”. Incluem os €3,5 mil milhões já anunciados para o Start Campus (dos quais já €220 milhões de investimento já concretizado), bem como €500 milhões “ao longo dos próximos anos” nos centros Lisbon 1 e Lisbon 2, da Atlas Edge, em Carnaxide, e a expansão da Equinix no Prior Velho, em Lisboa (anunciada esta semana, com a construção de um novo centro, a concluir no primeiro trimestre de 2025), na ordem dos €100 milhões. Incluem também um investimento da Merlin em Vila Franca de Xira. E ainda a aposta da Quetta Data Centers em Lisboa, Madrid e Barcelona, em centros que utilizarão eletricidade 100% renovável. Haverá ainda um investimento da empresa Voltekko em Alcochete.
Mas a AICEP está ainda a tentar captar para Portugal dois outros projetos de grande dimensão que podem ascender a €5 mil milhões e cujos promotores estão a estudar localizações na Europa.
UM HUB DE CABOS SUBMARINOS
Paralelamente, observou Filipe Santos Costa, a AICEP tem trabalhado a atração de cabos submarinos de telecomunicações. “Portugal é um importante hub de conectividade da Europa, com 15 cabos submarinos de telecomunicações entre atuais, planeamento e perspetivas, que ligam às Américas, África, Mediterrâneo e daí ao Médio Oriente e ao resto da Ásia, assumindo um papel estratégico no tráfego global de dados”, apontou o gestor.
O Ellalink, amarrado em Sines, já está operacional, garantindo a ligação da União Europeia à América do Sul. E outros projetos estão na calha. O 2Africa foi amarrado já este ano e o Equiano entrará em serviço no próximo ano: ambos ligarão Portugal (a partir de Carcavelos e Sesimbra) a África. O Medusa, por seu turno, ligará Lisboa e Sines a Marselha, em França, e Port Saïd, no Egito, interligando com cabos que vão para o Extremo Oriente. O projeto Nuvem, da Google, tem amarração prevista em Portugal em 2026. São alguns dos projetos que deverão implicar investimento no nosso país, embora em montantes muito inferiores aos dos centros de dados. Segundo Filipe Santos Costa, as estações de amarração destes vários cabos envolverão cerca de €200 milhões. Contudo, o ex-presidente da AICEP realça o efeito multiplicador destes cabos submarinos, facilitando o desenvolvimento da economia de dados em Portugal.
AICEP destaca pela dimensão os investimentos da Start Campus, Atlas Edge, Equinix, Merlin e Quetta Data Centers
Um estudo da Copenhagen Economics, feito a pedido da Google, estimava que a rede de cabos submarinos que amarram em Portugal podia acrescentar ao produto interno bruto português €500 milhões por ano.
Filipe Santos Costa assume que na tentativa de captar investimento para Portugal na área dos centros de dados há dois argumentos centrais: “eletricidade verde a bom preço” e “uma excelente infraestrutura de telecomunicações”.
Contudo, o otimismo do ex-presidente da AICEP é temperado pelas reticências do diretor-geral da Iberdrola em Portugal. “Não está fácil. Há muita especulação sobre os valores dos terrenos”, disse ao Expresso David Pantoja, à margem da conferência anual da Elecpor, a associação portuguesa do sector elétrico. “Ao nível dos data centers estamos a procurar parceiros”, referiu o gestor, notando que a Iberdrola tem um portefólio com várias fontes de eletricidade renovável, sendo o desafio convencer as tecnológicas a investir. David Pantoja admite que falta alguma confiança dos grandes consumidores de eletricidade sobre a estabilidade futura dos preços. “Espanha e Portugal correm o risco de perder indústria. Temos de fazer reforços de redes, facilitar a ligação de nova capacidade, integrar a geração distribuída”, salientou o responsável da Iberdrola na conferência da Elecpor, em Lisboa.
CONCORRER COM OS NÓRDICOS
Além do acesso potencial a eletricidade verde a preços competitivos, Filipe Santos Costa destaca que nos últimos seis anos o preço médio do tráfego da internet baixou 21%, o que também funciona como um incentivo ao negócio. Mas Portugal e Espanha enfrentam concorrência forte nos data centers dos mercados do Norte da Europa, cujo clima frio proporciona melhores condições de refrigeração dos equipamentos.
A Europa tem de crescer para fazer face à procura, e Portugal pode dar um contributo. E, aliás, já está a dar. Um estudo da Worx Real Estate Consultants, de 2023, avança que há 38 centros de dados em Portugal, localizados principalmente na grande Lisboa e Porto. Diogo Eloi de Sousa, sócio da KPMG Portugal para a área das telecomunicações salienta que os mercados europeus ainda “estão muito atrás dos EUA, revelando uma lacuna na capacidade disponível”. Por isso, é fundamental haver “crescimento durante a próxima década para que a Europa garanta a capacidade necessária de armazenamento, processamento e resiliência de dados para sectores como a saúde, governo, produção industrial e educação”. Portugal, afirma o sócio da KPMG, fará parte dessa resposta. “Dado o contexto geoestratégico global, a localização de Portugal é vantajosa para a conectividade entre a Europa, África e Américas. Isso torna-nos um local favorável para centros de dados que visam atender múltiplos continentes, nomeadamente dos hyperscalers (centros com maior capacidade de computação), cujo crescimento exponencial da procura tem resultado no declínio avassalador da capacidade disponível do parque de data centers existente”.