De acordo com o Público se não houvesse redução do IRC, isso "faria muita falta ao crescimento da economia" Ministro admite importância do lítio para o país Economia.
"A baixa do IRC é uma pedra angular do plano para acelerar a economia"
Pedro Reis Ministro da Economia vê o novo programa económico do Governo "como um puzzle". Se o Parlamento chumbar a descida do IRC de 21% para 15%, diz, a redução fará falta, mas não compromete o leque das 60 medidas
Depois de operacionalizar o Banco de Fomento, de abrir um "novo ciclo" na Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) e de pôr em marcha o pacote de estímulos ao crescimento, o novo ministro da Economia quer dedicar tempo à diplomacia económica nos próximos meses para captar investimento no estrangeiro. Embora o plano "Acelerar a Economia", desvendado na última semana, não contemple incentivos à descarbonização, o Governo prevê lançar medidas específicas para essa área mais à frente. Para já, para acompanhar a execução do programa, haverá uma unidade de missão no Ministério da Economia que se articulará com as outras áreas do Governo.
O plano económico que o Governo apresentou procura estimular o crescimento e melhorar a competitividade das empresas para competirem nos mercados internacionais. Quando é que espera que o conjunto das medidas comece a surtir um efeito significativo visível no crescimento económico? Terá um impacto suficiente para o Governo actualizar as perspectivas económicas para 2025 e 2026já no Orçamento do Estado do próximo ano? Só o mero anúncio do compromisso de determinados vectores - de uma fiscalidade mais competitiva, do mar à captação de investimento externo e à consolidação de empresas - já pode ter um impacto a breve prazo, no sentido em que eram medidas esperadas. Por algumas reacções que fui tendo, pode ter um impacto positivo ao longo dos próximos meses. Não usaria a escala anos. Também não se trata tanto de rever as projecções económicas, mas de consolidá-las. As projecções já trazem uma taxa de crescimento ambiciosa, no sentido de atingível. A nossa preocupação é justamente colocar no terreno, em várias frentes que desembocam na internacionalização e no investimento. O pacote não tem que se aplicar a todas as empresas ou a todos os sectores. A lógica é que cada empresa ou cada investidor, de acordo com a sua dimensão, agenda, ciclo de investimento, ou os seus constrangimentos, possa aproveitar estas alavancas para o seu caso concreto. Muito da temperatura da economia e das decisões de investimento passa pela gestão de expectativas. O sinal que vou tendo das empresas e dos mercados é que acreditam no compromisso para executar estas medidas.
Relativamente à redução dos prazos de pagamento do Estado a fornecedores, como é que se vai operacionalizar? É aplicável a todos os sectores de actividade, à saúde, por exemplo? E é vinculativo?
É um objectivo que as boas práticas do Estado sejam pagar aos fornecedores a 30 dias. É uma indicação que se operacionaliza para todo o Estado, a ideia não é sectorizar. É assumido em articulação com o Ministério das Finanças, porque a gestão do fundo de maneio tem muito que ver com o Tesouro. Caminharemos para esse objectivo ao longo dos próximos meses. O prazo é uma [meta] de legislatura, mas é possível antecipar em relação ao calendário.
Internamente, como é que a medida se vai operacionalizar na administração pública, para forçar as entidades a pagarem a tempo e horas? Passará por incentivos de gestão?
Não, não. Tem que ver com regras de processo. São vectores de gestão de tesouraria.
Portanto, isto está nas mãos do Ministério das Finanças.
Passa muito por aí e, depois, é declinar para o resto do Estado, porque não são só as Finanças que pagam, os ministérios têm a sua autonomia e é assumido como boas práticas [pagar a 30 dias].
O plano tem vários vértices de expansão. Uma das medidas principais passa pela descida da taxa do IRC até aos 15% ao longo dos próximos três anos. Sendo uma medida fiscal que terá obrigatoriamente de passar pelo Parlamento e sendo o Governo minoritário, o plano fica comprometido se a medida chumbar no Parlamento?
A baixa do IRC é uma pedra angular deste plano. É indiscutível. É um dos navios almirantes do pacote para acelerar a economia e do programa de Governo. Não vou desenvolver e desmultiplicar cenários de contra factual... Mais do que uma agenda de negociação política como ministro da Economia, [o que me cabe] é sublinhar e reforçar que a redução do IRC é uma das medidas absolutamente críticas. Não só na frente do alívio fiscal. É tremendamente importante na captação de investimento, nomeadamente externo. Quase que responderia ao contrário: se não houvesse redução do IRC, faria muita falta ao crescimento da economia e a este plano? Faria. Se me perguntam se este é um plano assente na redução do IRC, acho que está à prova, à saciedade, que não é.
Nos últimos anos, tem sido discutido no G20 e na OCDE o estabelecimento do patamar mínimo de tributação das empresas de 15%, que é já inferior àquele que os EUA tinham defendido inicialmente, de 21%. A descida da taxa proposta pelo Governo português não vai em contraciclo com a tendência internacional de cooperação a nível fiscal e económico?
Não. Tanto não vai que a segunda medida [a transposição da directiva europeia do IRC mínimo de 15% para as grandes multinacionais] visa justamente endereçar esse ponto, e eu acho isso muitíssimo bem, para evitar a arbitragem entre Estados. Foi uma conquista da concorrência aberta e sou completamente favorável. Estamos a procurar trazer Portugal para o patamar competitivo nas taxas de IRC, onde concorremos com captação de investimento. De certa maneira, o mundo está a tentar a convergir para a taxa mínima e nós estamos a tentar convergir na taxa máxima. Significa que posicionamos Portugal com as mesmas armas do que os outros países para captar investimento.
Ficando a taxa geral em 15%, significa que a taxa efectiva para algumas empresas poderá ser inferior e para outras poderá ser superior. Se ela for inferior (pela aplicação de benefícios fiscais, deduções), Portugal terá de aplicar o mínimo de 15% às sucursais de grandes empresas. O facto de o Governo estar a propor uma taxa no patamar mínimo da tributação das multinacionais não colocará problemas desse ponto de vista?
Estou mais preocupado com o all-in nas taxas [o conjunto da tributação que resulta das várias taxas], em que, em cima, ainda pomos as derramas e por aí fora. Quando cheguei ao Ministério da Economia, fiquei impressionado, face há dez anos, com o aumento da musculatura dos incentivos de outros parceiros nossos, a começar por europeus, que têm balanço de orçamento para jogar em cima da mesa sem ferir auxílios de Estado. Temos ainda um espaço grande para conceder incentivos que não são só da ordem fiscal: são incentivos na área de apoios à formação, à qualificação, às vezes de cedência de instalações, de terrenos, da clusterização. Para ser muito franco, não estou preocupado com o facto de baixarmos desse patamar, porque ainda temos, infelizmente, muito espaço para conseguir estar num nível competitivo e de igualdade.
A OCDE identificava numa análise recente a necessidade de, havendo hoje uma maior coordenação do ponto de vista da fiscalidade entre os países, os factores extrafiscais como factores de atractividade. Deste pacote de 60 medidas, quais considera fundamentais para atrair investimento?
Toda esta matéria da captação de talento é absolutamente crítica, o programa IFICI+ [Incentivo Fiscal à Investigação Científica e Inovação], que nos permite trazer talento nacional que esteja no estrangeiro, ou estrangeiro propriamente dito. Dizer-se que [o país] tem uma taxa, a nível de categoria A e B de rendimentos de IRS, de 20%, é uma arma fortíssima para captar investimento. O ministro das Finanças e eu identificámos situações de investimento [investidores] que andam a definir onde é que se vão posicionar a nível internacional, com centros de competência com 300, 400, 500 engenheiros, ou outras áreas de alta especialidade. O anúncio das infra-estruturas estratégicas, como o novo aeroporto e a ferrovia, também desemboca na nossa proposta de valor. Infra-estruturas estratégicas, alívio de fiscalidade, combate à burocracia, estímulo à inovação, oferta de talento, diplomacia económica, tudo isto funciona em conjugação, tal como o tema todo da energia. A descarbonização, todo o tema das infra-estruturas energéticas, está a ser muito trabalhado em profundidade pela ministra da Energia e do Ambiente.
A energia é um dos principais custos de contexto de que as empresas se queixam, mas não há nada sobre isso neste programa. Vão existir medidas específicas? Exactamente. Está a ser trabalhada essa área também. É importante perceber que, em termos de criação de valor para a economia, isto funciona um pouco como um puzzle. Há áreas próprias da economia, das finanças, das infra-estruturas, da energia, das florestas, das pescas, da agricultura. Vamos ter dois grupos de trabalho para criar ecossistemas e atrair os tais novos investimentos na defesa e na saúde, porque são cadeias de valor em que Portugal se posiciona muito bem.
No Programa do Governo falava-se da simplificação dos processos administrativos e licenciamentos. Mas nada disso está neste programa. Também estão a ser preparadas medidas nesse sentido?
Falo com empresas todos os dias e há três ou quatro pontos condicionadores: a fiscalidade excessiva, a burocracia, a agilização da justiça económica. Certamente, lá chegaremos especificamente. Não quero avançar muito, mas não é grande novidade dizer que a simplificação fiscal está dentro das nossas prioridades.
A duração dos litígios administrativos e fiscais é um dos temas que os empresários normalmente apontam como dos mais complexos. Estão previstas medidas nesse sentido?
Isso só mostra como há muito para fazer na economia portuguesa, não é? Lançámos agora um programa de 60 medidas. Estou muito focado em executá-las todas. Aliás, vou criar uma unidade de missão dentro do Ministério da Economia só para acompanhar a execução destas medidas no mais breve espaço de tempo e no que isso implicar de articulação com outras áreas do Governo. Divido o meu mandato e as minhas prioridades em três fases: a primeira fase foi a operacionalização do Banco de Fomento (numa articulação muito próxima com o Ministério das Finanças) e a abertura do novo ciclo na AICEP; a segunda fase, que ainda não terminou, foi a apresentação de um programa concreto; a terceira é conquistar um tempo próprio. Quero libertar uma parte do meu tempo para me concentrar na atracção de investimento externo. Vou intensificar muito as missões ao estrangeiro nos próximos meses, aos mais variados destinos e geografias, de forma a contactar possíveis investidores.
Já identificou esses destinos?
Há mercados pelos quais terei necessariamente que passar. O Japão é um parceiro interessantíssimo e com os Estados Unidos há muito a fazer. Irei acompanhar o sr. primeiro-ministro na viagem a Luanda. Na China estive no Fórum Macau. E há outros países europeus, como a Alemanha, em que detectei uma disponibilidade de alguns players, de empresas muito importantes alemãs, para considerarem Portugal para a expansão de investimentos em fileiras onde já cá estão e outras ainda não.
Pedro Reis defende que Portugal se posicione na exploração do lítio, hidrogénio, aço verde e na captação de data centers
O ministro da Economia, Pedro Reis, vê com naturalidade que a União Europeia (UE) exija aos seus parceiros económicos "boas práticas". E se a Europa tem de aumentar a capacidade industrial, Portugal deve apostar em áreas críticas, como o lítio, onde já tem várias "manifestações de interesse".
Estamos numa fase em que alguns países e blocos económicos têm tomado medidas proteccionistas, de que é exemplo a recente decisão da Comissão Europeia de aplicar direitos alfandegários à importação de carros eléctricos chineses produzidos com ajudas públicas. Em que medida isto afecta as relações de Portugal com alguns dos países com os quais pretende estabelecer relações económicas e diplomáticas de captação de investimento?
É uma grande questão para o ministro dos Negócios Estrangeiros. Não queria focar-me nesse aspecto específico, mas todos os blocos com que a Europa concorre, todos percebem que a Europa - e nós acompanhamos a posição europeia, que acho muitíssimo bem - defenda os seus interesses nacionais e advogue um alinhamento em termos de apoios ao investimento. Não podemos querer uma economia globalizada, interligada, e fazer cair barreiras para, em última análise, ser o consumidor final (e bem) e o emprego a beneficiarem, e, depois, jogar com armas diferentes. A Europa está muito avançada em matérias como a sustentabilidade e a transição climática, que implicam custos, mas, ao mesmo tempo, [enfrenta] o grande desafio da reindustrialização. Tem que se conciliar a necessidade que a Europa tem de se reindustrializar e, ao mesmo tempo, fazê-lo de uma maneira amiga do ambiente. É um desafio. Se avançamos com boas práticas que numa primeira fase podem não facilitar tanto a competitividade, o mínimo que podemos pedir ao mundo, aos nossos parceiros, à medida que abrimos o nosso mercado, é que estejamos todos dentro de uma base de regras de jogo equivalentes. É assim que interpreto essa matéria. Não é proteger, é assegurar transparência na concorrência. Sou favorável a este tipo de políticas.
Precisamente sobre a transição energética e a captação de investimento: a exploração de recursos minerais e, em concreto, do lítio é, ou não, uma estratégia fundamental para o desenvolvimento económico do país?
É. Tenho dito crescentemente que muito da economia passa pela energia. E é público que alguns dos investimentos onde Portugal está a ser encarado como um hub preferencial a nível do reposicionamento das áreas críticas e das competências estratégicas a nível europeu são justamente nessas fileiras. Portanto, no hidrogénio verde, aço verde e toda a cadeia de valor que vai do lítio à sua refinação e à produção de baterias e componentes dos veículos eléctricos, existem manifestações de interesse que, somadas, são vários anos de carteira de intenções de investimento de uma Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP). E, nessa área, o que é que se vê noutros países? Vê-se uma estratégia de verticalização: há consórcios em que no mesmo grupo económico entra o lítio e sai o carro.
O que eu vejo em Portugal é um posicionamento de investimento externo e nacional das mais variadas origens, curiosamente, americanas, europeias, chinesas, em que estas peças funcionam em rede. Ou seja, são investimentos que funcionam isoladamente, mas, se articulados, se Portugal conseguir captar algumas destas cadeias, a nossa proposta de valor sai muito mais reforçada. Claramente, essa frente energética, de descarbonização e utilização do hidrogénio para fins industriais (em áreas como a siderurgia, o papel e a celulose ou o cimento, que pode desmultiplicar-se em produto verde, ou os data centers, é uma área interessantíssima para Portugal se posicionar. Tudo isto, curiosamente, o que é que tem aqui de elo comum, se formos ver bem? É a energia. A economia vai precisar muito de energia nos próximos anos.
O programa também tem medidas de apoio ao turismo e à qualificação de mão-de-obra. Relativamente às novas medidas aplicáveis à imigração, podem ser um entrave ao crescimento da mão-de-obra necessária não só no sector turístico, mas em vários outros?
Está a ser pensada uma forma de captação de imigração, nomeadamente qualificada, mas também para sectores que precisam mesmo de gente urgentemente, de uma forma que seja prudente nos critérios, mas assuma o nosso défice demográfico e o défice de talento. Qual é a nossa preocupação? É ver, sector a sector, qual é o tipo de competências e de perfis que fazem falta para desenvolver os investimentos que estão a ser feitos, [ver] onde é que essas pessoas estão e o que as poderia trazer para cá. É o nosso contributo nessa agenda.
Como é que se operacionalizará a linha de qualificação dos projectos turísticos?
A linha de qualificação, de 300 milhões, funciona em consórcio de financiamento e de garantias entre o Turismo de Portugal e a banca comercial, e é ajustada a alguns vectores novos, por exemplo, o da sustentabilidade das unidades turísticas. É uma linha para a requalificação ou para algumas novas unidades, dentro de certos parâmetros, nomeadamente de qualificação ou de novos destinos ou de segmentos do turismo particularmente apetecíveis.
Acredito muito nessa linha pelo simples facto de ser feita de uma maneira muito ágil, tem o turismo a usar uma parte do co-financiamento e da co-garantia e o sector bancário a cobrir a outra. Por que é que gosto de ver aqui a parceria com o sector bancário? Porque o crivo de sustentabilidade económica e financeira dos projectos está assegurado. Isso protege o Estado. Estou muito optimista na capacidade da implementação no terreno desta linha e das candidaturas. Não é só mais turismo; é turismo mais qualificado.
A TAP não pode ser também um instrumento de promoção turística? Sabemos do impacto dos turistas norte-americanos nas receitas, mas isso só foi possível porque se abriram voos directos para os Estados Unidos. O Governo deve manter influência sobre a TAP para usá-la como instrumento nessa estratégia?
As rotas aéreas, a ligação directa a destinos é das armas mais potentes de captação de investimento. E não é só para a TAP. Aliás, há um programa VIP [no programa de reforço de linhas de apoio ao turismo], que é justamente para dar munições ao Estado português de ir buscar novas rotas aéreas na negociação neste leilão internacional. Portanto, é muito além da TAP. A abertura de uma rota, de um destino novo, directo, seja de qual for a companhia, para vir para Portugal, vale mais do que muitas campanhas de turismo.
A privatização da TAP, ou de parte do capital, mantém-se em cima da mesma?
Aí, o programa [Acelerar a Economia] não tem nenhuma novidade.
"A baixa do IRC é uma pedra angular do plano para acelerar a economia"
Pedro Reis Ministro da Economia vê o novo programa económico do Governo "como um puzzle". Se o Parlamento chumbar a descida do IRC de 21% para 15%, diz, a redução fará falta, mas não compromete o leque das 60 medidas
Depois de operacionalizar o Banco de Fomento, de abrir um "novo ciclo" na Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) e de pôr em marcha o pacote de estímulos ao crescimento, o novo ministro da Economia quer dedicar tempo à diplomacia económica nos próximos meses para captar investimento no estrangeiro. Embora o plano "Acelerar a Economia", desvendado na última semana, não contemple incentivos à descarbonização, o Governo prevê lançar medidas específicas para essa área mais à frente. Para já, para acompanhar a execução do programa, haverá uma unidade de missão no Ministério da Economia que se articulará com as outras áreas do Governo.
O plano económico que o Governo apresentou procura estimular o crescimento e melhorar a competitividade das empresas para competirem nos mercados internacionais. Quando é que espera que o conjunto das medidas comece a surtir um efeito significativo visível no crescimento económico? Terá um impacto suficiente para o Governo actualizar as perspectivas económicas para 2025 e 2026já no Orçamento do Estado do próximo ano? Só o mero anúncio do compromisso de determinados vectores - de uma fiscalidade mais competitiva, do mar à captação de investimento externo e à consolidação de empresas - já pode ter um impacto a breve prazo, no sentido em que eram medidas esperadas. Por algumas reacções que fui tendo, pode ter um impacto positivo ao longo dos próximos meses. Não usaria a escala anos. Também não se trata tanto de rever as projecções económicas, mas de consolidá-las. As projecções já trazem uma taxa de crescimento ambiciosa, no sentido de atingível. A nossa preocupação é justamente colocar no terreno, em várias frentes que desembocam na internacionalização e no investimento. O pacote não tem que se aplicar a todas as empresas ou a todos os sectores. A lógica é que cada empresa ou cada investidor, de acordo com a sua dimensão, agenda, ciclo de investimento, ou os seus constrangimentos, possa aproveitar estas alavancas para o seu caso concreto. Muito da temperatura da economia e das decisões de investimento passa pela gestão de expectativas. O sinal que vou tendo das empresas e dos mercados é que acreditam no compromisso para executar estas medidas.
Relativamente à redução dos prazos de pagamento do Estado a fornecedores, como é que se vai operacionalizar? É aplicável a todos os sectores de actividade, à saúde, por exemplo? E é vinculativo?
É um objectivo que as boas práticas do Estado sejam pagar aos fornecedores a 30 dias. É uma indicação que se operacionaliza para todo o Estado, a ideia não é sectorizar. É assumido em articulação com o Ministério das Finanças, porque a gestão do fundo de maneio tem muito que ver com o Tesouro. Caminharemos para esse objectivo ao longo dos próximos meses. O prazo é uma [meta] de legislatura, mas é possível antecipar em relação ao calendário.
Internamente, como é que a medida se vai operacionalizar na administração pública, para forçar as entidades a pagarem a tempo e horas? Passará por incentivos de gestão?
Não, não. Tem que ver com regras de processo. São vectores de gestão de tesouraria.
Portanto, isto está nas mãos do Ministério das Finanças.
Passa muito por aí e, depois, é declinar para o resto do Estado, porque não são só as Finanças que pagam, os ministérios têm a sua autonomia e é assumido como boas práticas [pagar a 30 dias].
O plano tem vários vértices de expansão. Uma das medidas principais passa pela descida da taxa do IRC até aos 15% ao longo dos próximos três anos. Sendo uma medida fiscal que terá obrigatoriamente de passar pelo Parlamento e sendo o Governo minoritário, o plano fica comprometido se a medida chumbar no Parlamento?
A baixa do IRC é uma pedra angular deste plano. É indiscutível. É um dos navios almirantes do pacote para acelerar a economia e do programa de Governo. Não vou desenvolver e desmultiplicar cenários de contra factual... Mais do que uma agenda de negociação política como ministro da Economia, [o que me cabe] é sublinhar e reforçar que a redução do IRC é uma das medidas absolutamente críticas. Não só na frente do alívio fiscal. É tremendamente importante na captação de investimento, nomeadamente externo. Quase que responderia ao contrário: se não houvesse redução do IRC, faria muita falta ao crescimento da economia e a este plano? Faria. Se me perguntam se este é um plano assente na redução do IRC, acho que está à prova, à saciedade, que não é.
Nos últimos anos, tem sido discutido no G20 e na OCDE o estabelecimento do patamar mínimo de tributação das empresas de 15%, que é já inferior àquele que os EUA tinham defendido inicialmente, de 21%. A descida da taxa proposta pelo Governo português não vai em contraciclo com a tendência internacional de cooperação a nível fiscal e económico?
Não. Tanto não vai que a segunda medida [a transposição da directiva europeia do IRC mínimo de 15% para as grandes multinacionais] visa justamente endereçar esse ponto, e eu acho isso muitíssimo bem, para evitar a arbitragem entre Estados. Foi uma conquista da concorrência aberta e sou completamente favorável. Estamos a procurar trazer Portugal para o patamar competitivo nas taxas de IRC, onde concorremos com captação de investimento. De certa maneira, o mundo está a tentar a convergir para a taxa mínima e nós estamos a tentar convergir na taxa máxima. Significa que posicionamos Portugal com as mesmas armas do que os outros países para captar investimento.
Ficando a taxa geral em 15%, significa que a taxa efectiva para algumas empresas poderá ser inferior e para outras poderá ser superior. Se ela for inferior (pela aplicação de benefícios fiscais, deduções), Portugal terá de aplicar o mínimo de 15% às sucursais de grandes empresas. O facto de o Governo estar a propor uma taxa no patamar mínimo da tributação das multinacionais não colocará problemas desse ponto de vista?
Estou mais preocupado com o all-in nas taxas [o conjunto da tributação que resulta das várias taxas], em que, em cima, ainda pomos as derramas e por aí fora. Quando cheguei ao Ministério da Economia, fiquei impressionado, face há dez anos, com o aumento da musculatura dos incentivos de outros parceiros nossos, a começar por europeus, que têm balanço de orçamento para jogar em cima da mesa sem ferir auxílios de Estado. Temos ainda um espaço grande para conceder incentivos que não são só da ordem fiscal: são incentivos na área de apoios à formação, à qualificação, às vezes de cedência de instalações, de terrenos, da clusterização. Para ser muito franco, não estou preocupado com o facto de baixarmos desse patamar, porque ainda temos, infelizmente, muito espaço para conseguir estar num nível competitivo e de igualdade.
A OCDE identificava numa análise recente a necessidade de, havendo hoje uma maior coordenação do ponto de vista da fiscalidade entre os países, os factores extrafiscais como factores de atractividade. Deste pacote de 60 medidas, quais considera fundamentais para atrair investimento?
Toda esta matéria da captação de talento é absolutamente crítica, o programa IFICI+ [Incentivo Fiscal à Investigação Científica e Inovação], que nos permite trazer talento nacional que esteja no estrangeiro, ou estrangeiro propriamente dito. Dizer-se que [o país] tem uma taxa, a nível de categoria A e B de rendimentos de IRS, de 20%, é uma arma fortíssima para captar investimento. O ministro das Finanças e eu identificámos situações de investimento [investidores] que andam a definir onde é que se vão posicionar a nível internacional, com centros de competência com 300, 400, 500 engenheiros, ou outras áreas de alta especialidade. O anúncio das infra-estruturas estratégicas, como o novo aeroporto e a ferrovia, também desemboca na nossa proposta de valor. Infra-estruturas estratégicas, alívio de fiscalidade, combate à burocracia, estímulo à inovação, oferta de talento, diplomacia económica, tudo isto funciona em conjugação, tal como o tema todo da energia. A descarbonização, todo o tema das infra-estruturas energéticas, está a ser muito trabalhado em profundidade pela ministra da Energia e do Ambiente.
A energia é um dos principais custos de contexto de que as empresas se queixam, mas não há nada sobre isso neste programa. Vão existir medidas específicas? Exactamente. Está a ser trabalhada essa área também. É importante perceber que, em termos de criação de valor para a economia, isto funciona um pouco como um puzzle. Há áreas próprias da economia, das finanças, das infra-estruturas, da energia, das florestas, das pescas, da agricultura. Vamos ter dois grupos de trabalho para criar ecossistemas e atrair os tais novos investimentos na defesa e na saúde, porque são cadeias de valor em que Portugal se posiciona muito bem.
No Programa do Governo falava-se da simplificação dos processos administrativos e licenciamentos. Mas nada disso está neste programa. Também estão a ser preparadas medidas nesse sentido?
Falo com empresas todos os dias e há três ou quatro pontos condicionadores: a fiscalidade excessiva, a burocracia, a agilização da justiça económica. Certamente, lá chegaremos especificamente. Não quero avançar muito, mas não é grande novidade dizer que a simplificação fiscal está dentro das nossas prioridades.
A duração dos litígios administrativos e fiscais é um dos temas que os empresários normalmente apontam como dos mais complexos. Estão previstas medidas nesse sentido?
Isso só mostra como há muito para fazer na economia portuguesa, não é? Lançámos agora um programa de 60 medidas. Estou muito focado em executá-las todas. Aliás, vou criar uma unidade de missão dentro do Ministério da Economia só para acompanhar a execução destas medidas no mais breve espaço de tempo e no que isso implicar de articulação com outras áreas do Governo. Divido o meu mandato e as minhas prioridades em três fases: a primeira fase foi a operacionalização do Banco de Fomento (numa articulação muito próxima com o Ministério das Finanças) e a abertura do novo ciclo na AICEP; a segunda fase, que ainda não terminou, foi a apresentação de um programa concreto; a terceira é conquistar um tempo próprio. Quero libertar uma parte do meu tempo para me concentrar na atracção de investimento externo. Vou intensificar muito as missões ao estrangeiro nos próximos meses, aos mais variados destinos e geografias, de forma a contactar possíveis investidores.
Já identificou esses destinos?
Há mercados pelos quais terei necessariamente que passar. O Japão é um parceiro interessantíssimo e com os Estados Unidos há muito a fazer. Irei acompanhar o sr. primeiro-ministro na viagem a Luanda. Na China estive no Fórum Macau. E há outros países europeus, como a Alemanha, em que detectei uma disponibilidade de alguns players, de empresas muito importantes alemãs, para considerarem Portugal para a expansão de investimentos em fileiras onde já cá estão e outras ainda não.
Pedro Reis defende que Portugal se posicione na exploração do lítio, hidrogénio, aço verde e na captação de data centers
O ministro da Economia, Pedro Reis, vê com naturalidade que a União Europeia (UE) exija aos seus parceiros económicos "boas práticas". E se a Europa tem de aumentar a capacidade industrial, Portugal deve apostar em áreas críticas, como o lítio, onde já tem várias "manifestações de interesse".
Estamos numa fase em que alguns países e blocos económicos têm tomado medidas proteccionistas, de que é exemplo a recente decisão da Comissão Europeia de aplicar direitos alfandegários à importação de carros eléctricos chineses produzidos com ajudas públicas. Em que medida isto afecta as relações de Portugal com alguns dos países com os quais pretende estabelecer relações económicas e diplomáticas de captação de investimento?
É uma grande questão para o ministro dos Negócios Estrangeiros. Não queria focar-me nesse aspecto específico, mas todos os blocos com que a Europa concorre, todos percebem que a Europa - e nós acompanhamos a posição europeia, que acho muitíssimo bem - defenda os seus interesses nacionais e advogue um alinhamento em termos de apoios ao investimento. Não podemos querer uma economia globalizada, interligada, e fazer cair barreiras para, em última análise, ser o consumidor final (e bem) e o emprego a beneficiarem, e, depois, jogar com armas diferentes. A Europa está muito avançada em matérias como a sustentabilidade e a transição climática, que implicam custos, mas, ao mesmo tempo, [enfrenta] o grande desafio da reindustrialização. Tem que se conciliar a necessidade que a Europa tem de se reindustrializar e, ao mesmo tempo, fazê-lo de uma maneira amiga do ambiente. É um desafio. Se avançamos com boas práticas que numa primeira fase podem não facilitar tanto a competitividade, o mínimo que podemos pedir ao mundo, aos nossos parceiros, à medida que abrimos o nosso mercado, é que estejamos todos dentro de uma base de regras de jogo equivalentes. É assim que interpreto essa matéria. Não é proteger, é assegurar transparência na concorrência. Sou favorável a este tipo de políticas.
Precisamente sobre a transição energética e a captação de investimento: a exploração de recursos minerais e, em concreto, do lítio é, ou não, uma estratégia fundamental para o desenvolvimento económico do país?
É. Tenho dito crescentemente que muito da economia passa pela energia. E é público que alguns dos investimentos onde Portugal está a ser encarado como um hub preferencial a nível do reposicionamento das áreas críticas e das competências estratégicas a nível europeu são justamente nessas fileiras. Portanto, no hidrogénio verde, aço verde e toda a cadeia de valor que vai do lítio à sua refinação e à produção de baterias e componentes dos veículos eléctricos, existem manifestações de interesse que, somadas, são vários anos de carteira de intenções de investimento de uma Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP). E, nessa área, o que é que se vê noutros países? Vê-se uma estratégia de verticalização: há consórcios em que no mesmo grupo económico entra o lítio e sai o carro.
O que eu vejo em Portugal é um posicionamento de investimento externo e nacional das mais variadas origens, curiosamente, americanas, europeias, chinesas, em que estas peças funcionam em rede. Ou seja, são investimentos que funcionam isoladamente, mas, se articulados, se Portugal conseguir captar algumas destas cadeias, a nossa proposta de valor sai muito mais reforçada. Claramente, essa frente energética, de descarbonização e utilização do hidrogénio para fins industriais (em áreas como a siderurgia, o papel e a celulose ou o cimento, que pode desmultiplicar-se em produto verde, ou os data centers, é uma área interessantíssima para Portugal se posicionar. Tudo isto, curiosamente, o que é que tem aqui de elo comum, se formos ver bem? É a energia. A economia vai precisar muito de energia nos próximos anos.
O programa também tem medidas de apoio ao turismo e à qualificação de mão-de-obra. Relativamente às novas medidas aplicáveis à imigração, podem ser um entrave ao crescimento da mão-de-obra necessária não só no sector turístico, mas em vários outros?
Está a ser pensada uma forma de captação de imigração, nomeadamente qualificada, mas também para sectores que precisam mesmo de gente urgentemente, de uma forma que seja prudente nos critérios, mas assuma o nosso défice demográfico e o défice de talento. Qual é a nossa preocupação? É ver, sector a sector, qual é o tipo de competências e de perfis que fazem falta para desenvolver os investimentos que estão a ser feitos, [ver] onde é que essas pessoas estão e o que as poderia trazer para cá. É o nosso contributo nessa agenda.
Como é que se operacionalizará a linha de qualificação dos projectos turísticos?
A linha de qualificação, de 300 milhões, funciona em consórcio de financiamento e de garantias entre o Turismo de Portugal e a banca comercial, e é ajustada a alguns vectores novos, por exemplo, o da sustentabilidade das unidades turísticas. É uma linha para a requalificação ou para algumas novas unidades, dentro de certos parâmetros, nomeadamente de qualificação ou de novos destinos ou de segmentos do turismo particularmente apetecíveis.
Acredito muito nessa linha pelo simples facto de ser feita de uma maneira muito ágil, tem o turismo a usar uma parte do co-financiamento e da co-garantia e o sector bancário a cobrir a outra. Por que é que gosto de ver aqui a parceria com o sector bancário? Porque o crivo de sustentabilidade económica e financeira dos projectos está assegurado. Isso protege o Estado. Estou muito optimista na capacidade da implementação no terreno desta linha e das candidaturas. Não é só mais turismo; é turismo mais qualificado.
A TAP não pode ser também um instrumento de promoção turística? Sabemos do impacto dos turistas norte-americanos nas receitas, mas isso só foi possível porque se abriram voos directos para os Estados Unidos. O Governo deve manter influência sobre a TAP para usá-la como instrumento nessa estratégia?
As rotas aéreas, a ligação directa a destinos é das armas mais potentes de captação de investimento. E não é só para a TAP. Aliás, há um programa VIP [no programa de reforço de linhas de apoio ao turismo], que é justamente para dar munições ao Estado português de ir buscar novas rotas aéreas na negociação neste leilão internacional. Portanto, é muito além da TAP. A abertura de uma rota, de um destino novo, directo, seja de qual for a companhia, para vir para Portugal, vale mais do que muitas campanhas de turismo.
A privatização da TAP, ou de parte do capital, mantém-se em cima da mesma?
Aí, o programa [Acelerar a Economia] não tem nenhuma novidade.