De acordo com o Inevitável, em 2023, Portugal teve mais de 30 milhões de hóspedes, 77 milhões de dormidas, receitas de 25 mil milhões de euros. Economistas alertam para o excesso de dependência no setor.
Turismo. Setor bate recordes atrás de recordes e salva economia
Se o número de dormidas e receitas tem vindo a disparar há problemas que este setor não tem conseguido resolver. Um deles diz respeito à falta de mão-de-obra e a somar há que contar com a falta de habitação, em que, para muitos, o turismo é o principal responsável.
O turismo tem sido visto como a tábua de salvação da economia portuguesa, um setor considerado como um dos principais motores de crescimento e que tem vindo a bater recordes atrás de recordes. Só no passado, os números de turistas e dormidas em Portugal superaram os níveis de 2019, antes da pandemia e atingiram novos máximos históricos. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2023, os estabelecimentos de alojamento turístico registaram 30 milhões de hóspedes, o que representa um aumento de 13% face a 2022 e 77 milhões de dormidas, uma subida de 10%, o que se traduziu em receitas na ordem dos 25 mil milhões de euros: um crescimento de 37% face a 2019 e de 18,5% face a 2022.
Um cenário que levou o ex-secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Nuno Fazenda, a admitir que 2023 foi "um ano muito positivo para o turismo do país, e também para Portugal no seu todo, um ano recorde, o melhor ano da história de sempre do turismo em Portugal".
E esse crescimento estendeu- se a todo o país e verificou-se ao longo de todo o ano. "Uma alteração estrutural no nosso turismo", sublinhou, na altura, o responsável que disse ainda acreditar que o turismo crescerá "ainda mais em 2024".
Os números são ainda mais significativos tendo em conta os dados europeus. Também no ano passado, o número de dormidas em estabelecimentos turísticos na União Europeia aumentou 6,3% para quase 3 mil milhões. Trata-se de um número recorde e que ultrapassa em 1,6% os valores pré-pandémicos, de acordo com o Eurostat. E neste ranking, Portugal está bem posicionado ao ocupar o quinto lugar dos mercados com maior crescimento.
Ao i, João César das Neves admite que "o turismo é tradicionalmente um setor muito importante em Portugal e tornou-se mais importante ultimamente", mas também admite que "tem grande impacto social e influências de muitos outros setores e áreas, o que lhe cria graves problemas que deviam ser resolvidos e não estão a sê-lo".
Também Eugénio Rosa considera que o turismo é um setor que no nosso país tem atualmen- te um peso muito grande, "até excessivo, quando comparado com a de outros setores mais importantes para o desenvolvimento do país, na captação de receitas, na criação de riqueza, nas exportações e no emprego". De acordo com o economista, trata-se de uma atividade de mão- de-obra intensiva, de baixa tecnologia, embora admita que possa incluir alguns serviços com utilização de tecnologia - como plataformas de divulgação e de reserva - de baixos salários e baixa produtividade e fortemente dependente de um conjunto alargado de fatores, a maioria deles não controláveis pelo nosso país.
"É o caso de epidemias, clima, quebra do poder de compra dos países de origem dos turistas, concorrência baseada de preço, segurança interna, etc, o que torna os seus resultados aleatórios, constituindo um risco elevado quando é tomado como pilar vital do desenvolvimento de um país", refere ao nosso jornal.
Um cenário que, segundo o economista, leva a que haja "uma forte dependência da criação da riqueza (PIB) e das exportações, quer de serviços, quer totais do setor do turismo e, por outro lado, a aleatoriedade dos seus resultados anuais já que depende de fatores, a maior parte das quais o nosso país não tem controlo". E desta forma, considera que "fazer depender excessivamente o desenvolvimento do país de um setor com estas características é correr um elevado risco" e acena com o último relatório do Banco Mundial que "tem o título esclarecedor Turismo a crescer num contexto macroeconómico internacional marcado pela incerteza' em relação às perspetivas futuras e concluiu que são cautelosamente otimistas, no entanto, o esperado abrandamento do crescimento global, a persistência da inflação subjacente, as tensões geopolíticas e os fenómenos meteorológicos extremos induzidos pelas alterações climáticas estão a afetar a confiança dos viajantes internacionais, o que confirma a extrema aleatoriedade e os riscos inerentes a este setor".
RESPONSÁVEL PELA CRISE DA HABITAÇÃO?
Um dos problemas associados ao crescimento do turismo diz respeito à habitação, já que o turismo é apontado por muitos como um dos principais responsáveis pela crise de falta de casas, principalmente nas grandes cidades, e pelos preços cobrados.
No primeiro trimestre assistimos a um aumento de 1,9% nos preços das casas com o preço por metro quadrado a rondar em média os 2610 euros. Os dados foram revelados pelo idealista e apontam para uma subida de 6,4% quando comparado com igual período do ano passado. O mesmo cenário repete-se a quem procura casa para arrendar. De acordo com os mesmos dados, depois de um abrandamento no final do ano passado, os valores voltaram a acelerar em 2024 ao registarem um aumento de 2% entre o primeiro trimestre de 2024 e o trimestre anterior (a variação trimestral registada no final de 2023 foi de 0,9%), em que arrendar casa passou a ter um custo mediano de 15,8 euros por metro quadrado no final do mês de março.
Mas nem todos concordam com este apontar do dedo. "O turismo usa vários recursos, um dos mais importantes é o alojamento. Se o Estado não acautela essa necessidade ou, pior, complica a produção desses recursos, depois acusa os utilizadores, como o turismo, de serem os culpados das faltas", refere César das Neves.
Uma opinião que já tinha sido defendida pelo presidente do Turismo de Portugal, em entrevista ao Nascer do SOL. "O problema da habitação resulta de uma constatação factual que existe: há menos oferta de casas face à procura e não é resultante da dimensão turística. 2008 e 2009 foram os últimos anos em que o nível de construção para a habitação foi o mais elevado, a partir daí os números desceram e mantiveram-se baixos, criando uma pressão muito grande da procura sobre a oferta".
E em relação ao facto de muitos imóveis habitacionais se terem transformado em alojamento local tirando ainda mais a oferta ao mercado, Carlos Abade disse apenas que "uma cidade tem de ter a capacidade de evoluir e de estar preparada para todas as dimensões, como uma cidade internacional deva estar. Logo tem de ter uma dimensão da economia, de habitação e de dimensão cultural".
MÃO-DE-OBRA É CALCANHAR DE AQUILES
Outra dor de cabeça do setor diz respeito à falta de mão-de-obra neste setor, não ficando alheio ao que se passa com outros setores de atividade. E muitos responsáveis do setor acenam com falhas na ordem dos 50 mil, defendendo que só poderá ser colmatado com uma forte aposta na imigração.
Uma preocupação que leva Carlos Abade a reconhecer que o turismo é uma indústria de pessoas para pessoas e, como tal, precisa de muitas. Ainda assim, admitiu que há várias preocupações que o setor tem. "A primeira é a captação de pessoas para a profissão do turismo, e é uma dimensão que temos vindo a trabalhar, nomeadamente através de protocolos que Portugal tem feito com outros países, no âmbito da CPLP, por exemplo, mas também apostar num processo de valorização e de dignificação da profissão. É importante a valorização dos recursos humanos, pois não é só importante captar é também importante reter" e em relação aos ordenados que são praticados afirma que tem havido um esforço por parte das empresas nos últimos anos, defendendo que o tecido empresarial "tem percebido que o incremento salarial é um fator importante naquilo que é a captação e a retenção de talento" e, por isso mesmo, acredita que é um esforço que irá continuar.
Mas nem todos partilham da mesma opinião. E apesar de reconhecer o peso que o setor tem em termos de empregabi- lidade, César das Neves lembra que muitos postos de trabalho que são criados "não são necessariamente aqueles empregos que os portugueses querem". E alerta: "Grande parte são empregos de baixa qualificações e muitos acabam por ser garantidos por estrangeiros, enquanto os portugueses emigram".
Mais crítico nesta matéria é Eugénio Rosa ao referir que é um setor, onde dominam os baixos salários, o que no seu entender, é consequência de ser um setor de baixa tecnologia e baixa produtividade. "Os dados dos quadros de pessoal, que as empresas são obrigadas a enviar todos os anos ao Ministério do Trabalho, revelam que este é um dos setores onde a remuneração base média e o ganho médio são muito inferiores ao salário médio e ao ganho médio nacional. É um setor em que emprega muitos trabalhadores - em 2023, o alojamento, restauração e similares empregava 328,8 mil trabalhadores, ou seja, 6,6% do emprego, segundo o INE - mas uma grande parte, mais de 40%. recebe o Salário Mínimo Nacional".
O QUE ESPERAR? César das Neves reconhece que o setor depende "crucialmente de muitas infraestruturas e regulamentos, que dependem direta ou indireta- mente do Governo, pelo que o papel do Estado no setor é muito relevante", mas também reconhece que "o problema é que os governos concretos não tratam desses aspetos que lhe competem, que são morosos e pouco mediáticos, preferindo interferir em áreas que não lhe competem". E vai mais longe: "No turismo, como em outros setores porque o Estado se tem interessado, esse interesse acaba por ser mais uma maldição que uma bênção, porque promove políticas erradas e ajuda os operadores que não devem ser ajudados".
Quanto ao futuro, o economista diz que foram tantos erros cometidos que espera que o novo Governo faça o inverso do que tem feito. "O desinteresse, a burocracia, a estratégia errada e a captura por interesses particulares fizeram das políticas de turismo e de habitação o desastre que hoje é. É claro que os operadores do setor também têm culpas, mas essas deviam ser compensadas não ampliadas pelos poder público", conclui.
E dá como exemplo o que se passou com o alojamento local que é visto pelo economista como uma das linhas mais dinâmicas do turismo contemporâneo. "Suspendê-lo é destruir essa dinâmica. Claro que essa realidade levanta vários problemas sociais e pessoais, que têm de ser acautelados pela legislação. Mas isso nada tem a ver com suspensão, e a necessidade de lidar com esses problemas não ser capturada por interesses particulares dos vários agentes do setor".
Quanto aos vistos gold, César das Neves considera que é "uma ideia boa" mas entende "que foi pessimamente implementada por cá, fomentando corrupção e especulação sem benefícios visíveis para o país que vende a sua cidadania. Se fosse possivel implementar a medida de forma séria e inteligente, seria de continuar. Como provavelmente não é, o melhor é suspender".
Turismo é "crucial" para a economia mas é importante "diversificar"
Os números do turismo têm batido recordes e é dos principais motores da economia. Mas economistas defendem aposta em outras atividades.
O turismo é, assumidamente, um dos pilares da economia portuguesa Talvez o maior. A sua importância é reconhecida por muitos mas há também muitas vozes críticas que defendem que a economia nacional deveria estar também assente noutros setores.
Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, relembra ao nosso jornal dados recentes. Segundo o Banco de Portugal, as receitas turísticas alcançaram os 25,14 mil milhões de euros em 2023. "Entretanto, as importações de viagens e turismo, ou seja, as despesas efetua- das por residentes em Portugal nas deslocações ao exterior ascenderam a 6,3 mil milhões de euros. Isto é, o setor do turismo respondeu por 18,84 mil milhões em termos líquidos: 8,9% do PIB real", refere.
Já o economista Eugénio Rosa chama a atenção para o facto de os proveitos globais do setor terem variado nos últimos cinco anos: "Em 2019: 4295,8 milhões de euros; 2020:1445,7 milhões; 2021: 2330,3 milhões; 2022:5014,1 milhões; 2023:6020,7 milhões", e, por isso, defende que "a incerteza das receitas é clara e muito grande". O economista diz ainda que, se consideramos não apenas os proveitos globais dos estabelecimentos, mas todas as atividades associadas ao turismo, uma vez que, entende que só assim é que se pode ter a verdadeira dimensão da importância do setor e as consequências quando existem crises, chegamos à conclusão que, no que respeita à criação anual de riqueza, o setor contribuiu, em 2019, com 8,6% do PIB; em 2021, devido à covid-19, baixou para 6% do PIB e , em 2023, aumentou para 9,5% um valor já superior ao registado antes da pandemia. Em relação às exportações, contribuiu em 2019 (15996 milhões de euros) com 52,3% das exportações de serviços e 16,3% das exportações totais, mas em 2020 devido à pandemia, o peso caiu para 48,4% (9742 milhões de euros) e contou apenas com 13,1% das exportações totais. Já em 2023 correspondeu a 48,6% da exportação de serviços (21854 milhões) e 17,3% das exportações totais do país, mais uma vez, uma percentagem superior à verificada antes da pandemia.
O peso também é significativo em termos de emprego. Paulo Rosa lembra que, segundo a World Travel & Tourism Council (WTTC), em 2022, o turismo empregava indiretamente 950 mil pessoas em Portugal, ou seja, quase 20% da população empregada. "Relativamente à população diretamente empregada no setor do turismo (alojamento, restauração e similares) em 2022 eram cerca de 287 mil pessoas empregadas no setor turístico, representando cerca de 5,8% da totalidade da população empregada em Portugal", detalha.
Eugénio Rosa dá ao i dados sobre a remuneração base média que, neste setor, em 2022, era 872,7 euros, menos 27,3% que a remuneração média no país que era 1143,5 euros e o ganho médio neste setor (inclui tudo o que o trabalhador recebe),
era 977,8 euros menos 28,5% que o ganho médio a nível do país que era 1368 euros. Uma diferença que, segundo o economista, se verifica também no sexo dos trabalhadores. A maioria são mulheres (57%) e recebem remunerações base inferiores à dos homens e a diferença é tanto maior quanto maior é a qualificação. E detalha que, em média, recebem menos 11°% do que os homens, mas ao nível de quadros superiores, a remuneração média das mulheres é inferior à dos homens em menos 17,2%.
Apesar de considerar que o setor, em 2023, teve um papel importante na criação da riqueza (9,5% do PIB), nas exportações (48,6% da exportação de serviços e 17,3% das exportações totais do país), Eugénio Rosa alerta que o turismo "depende muito de fatores não controláveis pelo país", considerando que as oscilações na riqueza criada e no emprego, tendo em conta que é um setor sazonal, de três ou quatros meses, em que "nos restantes meses, a ativida- de cai abruptamente e o emprego também", dando como exemplo o Algarve, "uma região onde a extrema-direita subiu muito em parte devido a esta situação".
Para Eugénio Rosa, "fazer depender deste setor o desenvolvimento do país envolve, por estas razões, um risco muito grande. E lembra que, nas grandes cidades, onde a falta de habitação é grande, como Lisboa e Porto, "o alojamento local terá contribuído para agravar a crise e os vistos gold para inflacionar os preços da habitação", não se mostrando otimista em relação à atuação do novo Governo. "Sem estratégia para o desenvolvimento do país deverá impulsionar ainda mais este setor, agravando a sua dependência".
Já o economista do Banco Carregosa é da opinião que "uma economia deve especializar-se, mas é fundamental diversificar". E lembra que o setor do turismo pesa já cerca de 10% do PIB português, "um valor relativamente elevado". Paulo Rosa refere que a pandemia "corroborou as desvantagens dessa mesma dependência" e que "o distanciamento social ditado pela pandemia diminuiu substancialmente o turismo e as suas receitas, tendo o PIB português sido dos mais penalizados a nível mundial". E dá um exemplo: "O setor do turismo também contribui para a formação do PIB da Suíça, mas tem um peso muito menor que em Portugal, sendo a economia suíça alicerçada também na indústria química, farmacêutica, relojoeira e financeira. Assim, o PIB suíço foi muito menos penalizado durante a pandemia, face ao português".
Ainda assim, Paulo Rosa não tem dúvidas que o turismo é "uma ajuda crucial" para a economia portuguesa. Sem esse setor, "a par também do aumento substancial da população empregada desde 2013 (mais meio milhão de trabalhadores), a economia nacional não teria crescido acima da economia da Zona Euro nos últimos dois anos".
Por fim, Paulo Rosa defende que "muito provavelmente" este setor "continuará a ser o motor da economia portuguesa, a par do acréscimo de população empregada". Mas deixa alertas, defendendo que "urge diversificar a economia nacional e enveredar gradualmente por setores de elevado valor acrescentado". Caso isso não aconteça, "perante uma recessão e diminuição do rendimento disponível, o setor do turismo é prontamente um dos mais afetados, pois trata-se de consumo discricionário. A pandemia foi um aviso cabal de que a economia portuguesa não pode estar demasiadamente dependente de um só setor, sobretudo do turismo".
Top 7. Saiba quais são os monumentos mais visitados
Mosteiros, uma Torre, um Museu, um Convento e um Palácio lideram o ranking.
Os monumentos portugueses mais procurados por turistas nacionais e estrangeiros em 2022 foram variados. Mas, como era de esperar, em primeiro lugar surge o Mosteiro dos Jerónimos. Localizado em Belém, é uma obra-prima da arquitetura e um local de repouso de figuras monárquicas, como o rei D. Manuel I e Vasco da Gama. Recebeu 870.321 visitantes, segundo os dados da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC). De seguida, encontramos a Torre de Belém, com 377.780 visitantes. Construída no século XVI, é um símbolo histórico do nosso país. Possui uma curiosa escultura de rinoceronte no seu exterior e foi visitada por muitos turistas, garantindo a medalha de prata em número de visitantes. Depois, temos o Mosteiro da Batalha - com 288.386 visitantes. Localizado no distrito de Leiria, foi construído em agradecimento pela vitória na batalha de Aljubarrota. Conhecido por "Batalha", é também chamado de Mosteiro de Santa Maria da Vitória. No lugar seguinte, o Convento de Cristo - com 260.871 visitantes. Situado em Tomar, é famoso pela Janela do Capítulo e pelas suas conexões com os Templários. Recebeu um grande número de visitantes em 2022, assim como o Museu Nacional do Azulejo que, estando localizado em Lisboa, é um dos museus mais importantes do território nacional, exibindo a expressão artística dos azulejos na cultura nacional. Teve 202.900 visitantes. O Mosteiro de Alcobaça, famoso pela trágica história de amor entre D. Pedro e D. Inês de Castro, é um dos monumentos mais emblemáticos e surge em sexto lugar com 193.881 visitantes. Em sétimo, com 189.694, aparece o Palácio Nacional de Mafra, que é conhecido pela sua grandeza e pela sua biblioteca, uma das mais importantes da Europa. Estes monumentos registaram um aumento significativo de visitantes em comparação com o ano anterior, mas ainda não atingiram os níveis pré-pandemia.
Turismo. Setor bate recordes atrás de recordes e salva economia
Se o número de dormidas e receitas tem vindo a disparar há problemas que este setor não tem conseguido resolver. Um deles diz respeito à falta de mão-de-obra e a somar há que contar com a falta de habitação, em que, para muitos, o turismo é o principal responsável.
O turismo tem sido visto como a tábua de salvação da economia portuguesa, um setor considerado como um dos principais motores de crescimento e que tem vindo a bater recordes atrás de recordes. Só no passado, os números de turistas e dormidas em Portugal superaram os níveis de 2019, antes da pandemia e atingiram novos máximos históricos. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2023, os estabelecimentos de alojamento turístico registaram 30 milhões de hóspedes, o que representa um aumento de 13% face a 2022 e 77 milhões de dormidas, uma subida de 10%, o que se traduziu em receitas na ordem dos 25 mil milhões de euros: um crescimento de 37% face a 2019 e de 18,5% face a 2022.
Um cenário que levou o ex-secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Nuno Fazenda, a admitir que 2023 foi "um ano muito positivo para o turismo do país, e também para Portugal no seu todo, um ano recorde, o melhor ano da história de sempre do turismo em Portugal".
E esse crescimento estendeu- se a todo o país e verificou-se ao longo de todo o ano. "Uma alteração estrutural no nosso turismo", sublinhou, na altura, o responsável que disse ainda acreditar que o turismo crescerá "ainda mais em 2024".
Os números são ainda mais significativos tendo em conta os dados europeus. Também no ano passado, o número de dormidas em estabelecimentos turísticos na União Europeia aumentou 6,3% para quase 3 mil milhões. Trata-se de um número recorde e que ultrapassa em 1,6% os valores pré-pandémicos, de acordo com o Eurostat. E neste ranking, Portugal está bem posicionado ao ocupar o quinto lugar dos mercados com maior crescimento.
Ao i, João César das Neves admite que "o turismo é tradicionalmente um setor muito importante em Portugal e tornou-se mais importante ultimamente", mas também admite que "tem grande impacto social e influências de muitos outros setores e áreas, o que lhe cria graves problemas que deviam ser resolvidos e não estão a sê-lo".
Também Eugénio Rosa considera que o turismo é um setor que no nosso país tem atualmen- te um peso muito grande, "até excessivo, quando comparado com a de outros setores mais importantes para o desenvolvimento do país, na captação de receitas, na criação de riqueza, nas exportações e no emprego". De acordo com o economista, trata-se de uma atividade de mão- de-obra intensiva, de baixa tecnologia, embora admita que possa incluir alguns serviços com utilização de tecnologia - como plataformas de divulgação e de reserva - de baixos salários e baixa produtividade e fortemente dependente de um conjunto alargado de fatores, a maioria deles não controláveis pelo nosso país.
"É o caso de epidemias, clima, quebra do poder de compra dos países de origem dos turistas, concorrência baseada de preço, segurança interna, etc, o que torna os seus resultados aleatórios, constituindo um risco elevado quando é tomado como pilar vital do desenvolvimento de um país", refere ao nosso jornal.
Um cenário que, segundo o economista, leva a que haja "uma forte dependência da criação da riqueza (PIB) e das exportações, quer de serviços, quer totais do setor do turismo e, por outro lado, a aleatoriedade dos seus resultados anuais já que depende de fatores, a maior parte das quais o nosso país não tem controlo". E desta forma, considera que "fazer depender excessivamente o desenvolvimento do país de um setor com estas características é correr um elevado risco" e acena com o último relatório do Banco Mundial que "tem o título esclarecedor Turismo a crescer num contexto macroeconómico internacional marcado pela incerteza' em relação às perspetivas futuras e concluiu que são cautelosamente otimistas, no entanto, o esperado abrandamento do crescimento global, a persistência da inflação subjacente, as tensões geopolíticas e os fenómenos meteorológicos extremos induzidos pelas alterações climáticas estão a afetar a confiança dos viajantes internacionais, o que confirma a extrema aleatoriedade e os riscos inerentes a este setor".
RESPONSÁVEL PELA CRISE DA HABITAÇÃO?
Um dos problemas associados ao crescimento do turismo diz respeito à habitação, já que o turismo é apontado por muitos como um dos principais responsáveis pela crise de falta de casas, principalmente nas grandes cidades, e pelos preços cobrados.
No primeiro trimestre assistimos a um aumento de 1,9% nos preços das casas com o preço por metro quadrado a rondar em média os 2610 euros. Os dados foram revelados pelo idealista e apontam para uma subida de 6,4% quando comparado com igual período do ano passado. O mesmo cenário repete-se a quem procura casa para arrendar. De acordo com os mesmos dados, depois de um abrandamento no final do ano passado, os valores voltaram a acelerar em 2024 ao registarem um aumento de 2% entre o primeiro trimestre de 2024 e o trimestre anterior (a variação trimestral registada no final de 2023 foi de 0,9%), em que arrendar casa passou a ter um custo mediano de 15,8 euros por metro quadrado no final do mês de março.
Mas nem todos concordam com este apontar do dedo. "O turismo usa vários recursos, um dos mais importantes é o alojamento. Se o Estado não acautela essa necessidade ou, pior, complica a produção desses recursos, depois acusa os utilizadores, como o turismo, de serem os culpados das faltas", refere César das Neves.
Uma opinião que já tinha sido defendida pelo presidente do Turismo de Portugal, em entrevista ao Nascer do SOL. "O problema da habitação resulta de uma constatação factual que existe: há menos oferta de casas face à procura e não é resultante da dimensão turística. 2008 e 2009 foram os últimos anos em que o nível de construção para a habitação foi o mais elevado, a partir daí os números desceram e mantiveram-se baixos, criando uma pressão muito grande da procura sobre a oferta".
E em relação ao facto de muitos imóveis habitacionais se terem transformado em alojamento local tirando ainda mais a oferta ao mercado, Carlos Abade disse apenas que "uma cidade tem de ter a capacidade de evoluir e de estar preparada para todas as dimensões, como uma cidade internacional deva estar. Logo tem de ter uma dimensão da economia, de habitação e de dimensão cultural".
MÃO-DE-OBRA É CALCANHAR DE AQUILES
Outra dor de cabeça do setor diz respeito à falta de mão-de-obra neste setor, não ficando alheio ao que se passa com outros setores de atividade. E muitos responsáveis do setor acenam com falhas na ordem dos 50 mil, defendendo que só poderá ser colmatado com uma forte aposta na imigração.
Uma preocupação que leva Carlos Abade a reconhecer que o turismo é uma indústria de pessoas para pessoas e, como tal, precisa de muitas. Ainda assim, admitiu que há várias preocupações que o setor tem. "A primeira é a captação de pessoas para a profissão do turismo, e é uma dimensão que temos vindo a trabalhar, nomeadamente através de protocolos que Portugal tem feito com outros países, no âmbito da CPLP, por exemplo, mas também apostar num processo de valorização e de dignificação da profissão. É importante a valorização dos recursos humanos, pois não é só importante captar é também importante reter" e em relação aos ordenados que são praticados afirma que tem havido um esforço por parte das empresas nos últimos anos, defendendo que o tecido empresarial "tem percebido que o incremento salarial é um fator importante naquilo que é a captação e a retenção de talento" e, por isso mesmo, acredita que é um esforço que irá continuar.
Mas nem todos partilham da mesma opinião. E apesar de reconhecer o peso que o setor tem em termos de empregabi- lidade, César das Neves lembra que muitos postos de trabalho que são criados "não são necessariamente aqueles empregos que os portugueses querem". E alerta: "Grande parte são empregos de baixa qualificações e muitos acabam por ser garantidos por estrangeiros, enquanto os portugueses emigram".
Mais crítico nesta matéria é Eugénio Rosa ao referir que é um setor, onde dominam os baixos salários, o que no seu entender, é consequência de ser um setor de baixa tecnologia e baixa produtividade. "Os dados dos quadros de pessoal, que as empresas são obrigadas a enviar todos os anos ao Ministério do Trabalho, revelam que este é um dos setores onde a remuneração base média e o ganho médio são muito inferiores ao salário médio e ao ganho médio nacional. É um setor em que emprega muitos trabalhadores - em 2023, o alojamento, restauração e similares empregava 328,8 mil trabalhadores, ou seja, 6,6% do emprego, segundo o INE - mas uma grande parte, mais de 40%. recebe o Salário Mínimo Nacional".
O QUE ESPERAR? César das Neves reconhece que o setor depende "crucialmente de muitas infraestruturas e regulamentos, que dependem direta ou indireta- mente do Governo, pelo que o papel do Estado no setor é muito relevante", mas também reconhece que "o problema é que os governos concretos não tratam desses aspetos que lhe competem, que são morosos e pouco mediáticos, preferindo interferir em áreas que não lhe competem". E vai mais longe: "No turismo, como em outros setores porque o Estado se tem interessado, esse interesse acaba por ser mais uma maldição que uma bênção, porque promove políticas erradas e ajuda os operadores que não devem ser ajudados".
Quanto ao futuro, o economista diz que foram tantos erros cometidos que espera que o novo Governo faça o inverso do que tem feito. "O desinteresse, a burocracia, a estratégia errada e a captura por interesses particulares fizeram das políticas de turismo e de habitação o desastre que hoje é. É claro que os operadores do setor também têm culpas, mas essas deviam ser compensadas não ampliadas pelos poder público", conclui.
E dá como exemplo o que se passou com o alojamento local que é visto pelo economista como uma das linhas mais dinâmicas do turismo contemporâneo. "Suspendê-lo é destruir essa dinâmica. Claro que essa realidade levanta vários problemas sociais e pessoais, que têm de ser acautelados pela legislação. Mas isso nada tem a ver com suspensão, e a necessidade de lidar com esses problemas não ser capturada por interesses particulares dos vários agentes do setor".
Quanto aos vistos gold, César das Neves considera que é "uma ideia boa" mas entende "que foi pessimamente implementada por cá, fomentando corrupção e especulação sem benefícios visíveis para o país que vende a sua cidadania. Se fosse possivel implementar a medida de forma séria e inteligente, seria de continuar. Como provavelmente não é, o melhor é suspender".
Turismo é "crucial" para a economia mas é importante "diversificar"
Os números do turismo têm batido recordes e é dos principais motores da economia. Mas economistas defendem aposta em outras atividades.
O turismo é, assumidamente, um dos pilares da economia portuguesa Talvez o maior. A sua importância é reconhecida por muitos mas há também muitas vozes críticas que defendem que a economia nacional deveria estar também assente noutros setores.
Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, relembra ao nosso jornal dados recentes. Segundo o Banco de Portugal, as receitas turísticas alcançaram os 25,14 mil milhões de euros em 2023. "Entretanto, as importações de viagens e turismo, ou seja, as despesas efetua- das por residentes em Portugal nas deslocações ao exterior ascenderam a 6,3 mil milhões de euros. Isto é, o setor do turismo respondeu por 18,84 mil milhões em termos líquidos: 8,9% do PIB real", refere.
Já o economista Eugénio Rosa chama a atenção para o facto de os proveitos globais do setor terem variado nos últimos cinco anos: "Em 2019: 4295,8 milhões de euros; 2020:1445,7 milhões; 2021: 2330,3 milhões; 2022:5014,1 milhões; 2023:6020,7 milhões", e, por isso, defende que "a incerteza das receitas é clara e muito grande". O economista diz ainda que, se consideramos não apenas os proveitos globais dos estabelecimentos, mas todas as atividades associadas ao turismo, uma vez que, entende que só assim é que se pode ter a verdadeira dimensão da importância do setor e as consequências quando existem crises, chegamos à conclusão que, no que respeita à criação anual de riqueza, o setor contribuiu, em 2019, com 8,6% do PIB; em 2021, devido à covid-19, baixou para 6% do PIB e , em 2023, aumentou para 9,5% um valor já superior ao registado antes da pandemia. Em relação às exportações, contribuiu em 2019 (15996 milhões de euros) com 52,3% das exportações de serviços e 16,3% das exportações totais, mas em 2020 devido à pandemia, o peso caiu para 48,4% (9742 milhões de euros) e contou apenas com 13,1% das exportações totais. Já em 2023 correspondeu a 48,6% da exportação de serviços (21854 milhões) e 17,3% das exportações totais do país, mais uma vez, uma percentagem superior à verificada antes da pandemia.
O peso também é significativo em termos de emprego. Paulo Rosa lembra que, segundo a World Travel & Tourism Council (WTTC), em 2022, o turismo empregava indiretamente 950 mil pessoas em Portugal, ou seja, quase 20% da população empregada. "Relativamente à população diretamente empregada no setor do turismo (alojamento, restauração e similares) em 2022 eram cerca de 287 mil pessoas empregadas no setor turístico, representando cerca de 5,8% da totalidade da população empregada em Portugal", detalha.
Eugénio Rosa dá ao i dados sobre a remuneração base média que, neste setor, em 2022, era 872,7 euros, menos 27,3% que a remuneração média no país que era 1143,5 euros e o ganho médio neste setor (inclui tudo o que o trabalhador recebe),
era 977,8 euros menos 28,5% que o ganho médio a nível do país que era 1368 euros. Uma diferença que, segundo o economista, se verifica também no sexo dos trabalhadores. A maioria são mulheres (57%) e recebem remunerações base inferiores à dos homens e a diferença é tanto maior quanto maior é a qualificação. E detalha que, em média, recebem menos 11°% do que os homens, mas ao nível de quadros superiores, a remuneração média das mulheres é inferior à dos homens em menos 17,2%.
Apesar de considerar que o setor, em 2023, teve um papel importante na criação da riqueza (9,5% do PIB), nas exportações (48,6% da exportação de serviços e 17,3% das exportações totais do país), Eugénio Rosa alerta que o turismo "depende muito de fatores não controláveis pelo país", considerando que as oscilações na riqueza criada e no emprego, tendo em conta que é um setor sazonal, de três ou quatros meses, em que "nos restantes meses, a ativida- de cai abruptamente e o emprego também", dando como exemplo o Algarve, "uma região onde a extrema-direita subiu muito em parte devido a esta situação".
Para Eugénio Rosa, "fazer depender deste setor o desenvolvimento do país envolve, por estas razões, um risco muito grande. E lembra que, nas grandes cidades, onde a falta de habitação é grande, como Lisboa e Porto, "o alojamento local terá contribuído para agravar a crise e os vistos gold para inflacionar os preços da habitação", não se mostrando otimista em relação à atuação do novo Governo. "Sem estratégia para o desenvolvimento do país deverá impulsionar ainda mais este setor, agravando a sua dependência".
Já o economista do Banco Carregosa é da opinião que "uma economia deve especializar-se, mas é fundamental diversificar". E lembra que o setor do turismo pesa já cerca de 10% do PIB português, "um valor relativamente elevado". Paulo Rosa refere que a pandemia "corroborou as desvantagens dessa mesma dependência" e que "o distanciamento social ditado pela pandemia diminuiu substancialmente o turismo e as suas receitas, tendo o PIB português sido dos mais penalizados a nível mundial". E dá um exemplo: "O setor do turismo também contribui para a formação do PIB da Suíça, mas tem um peso muito menor que em Portugal, sendo a economia suíça alicerçada também na indústria química, farmacêutica, relojoeira e financeira. Assim, o PIB suíço foi muito menos penalizado durante a pandemia, face ao português".
Ainda assim, Paulo Rosa não tem dúvidas que o turismo é "uma ajuda crucial" para a economia portuguesa. Sem esse setor, "a par também do aumento substancial da população empregada desde 2013 (mais meio milhão de trabalhadores), a economia nacional não teria crescido acima da economia da Zona Euro nos últimos dois anos".
Por fim, Paulo Rosa defende que "muito provavelmente" este setor "continuará a ser o motor da economia portuguesa, a par do acréscimo de população empregada". Mas deixa alertas, defendendo que "urge diversificar a economia nacional e enveredar gradualmente por setores de elevado valor acrescentado". Caso isso não aconteça, "perante uma recessão e diminuição do rendimento disponível, o setor do turismo é prontamente um dos mais afetados, pois trata-se de consumo discricionário. A pandemia foi um aviso cabal de que a economia portuguesa não pode estar demasiadamente dependente de um só setor, sobretudo do turismo".
Top 7. Saiba quais são os monumentos mais visitados
Mosteiros, uma Torre, um Museu, um Convento e um Palácio lideram o ranking.
Os monumentos portugueses mais procurados por turistas nacionais e estrangeiros em 2022 foram variados. Mas, como era de esperar, em primeiro lugar surge o Mosteiro dos Jerónimos. Localizado em Belém, é uma obra-prima da arquitetura e um local de repouso de figuras monárquicas, como o rei D. Manuel I e Vasco da Gama. Recebeu 870.321 visitantes, segundo os dados da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC). De seguida, encontramos a Torre de Belém, com 377.780 visitantes. Construída no século XVI, é um símbolo histórico do nosso país. Possui uma curiosa escultura de rinoceronte no seu exterior e foi visitada por muitos turistas, garantindo a medalha de prata em número de visitantes. Depois, temos o Mosteiro da Batalha - com 288.386 visitantes. Localizado no distrito de Leiria, foi construído em agradecimento pela vitória na batalha de Aljubarrota. Conhecido por "Batalha", é também chamado de Mosteiro de Santa Maria da Vitória. No lugar seguinte, o Convento de Cristo - com 260.871 visitantes. Situado em Tomar, é famoso pela Janela do Capítulo e pelas suas conexões com os Templários. Recebeu um grande número de visitantes em 2022, assim como o Museu Nacional do Azulejo que, estando localizado em Lisboa, é um dos museus mais importantes do território nacional, exibindo a expressão artística dos azulejos na cultura nacional. Teve 202.900 visitantes. O Mosteiro de Alcobaça, famoso pela trágica história de amor entre D. Pedro e D. Inês de Castro, é um dos monumentos mais emblemáticos e surge em sexto lugar com 193.881 visitantes. Em sétimo, com 189.694, aparece o Palácio Nacional de Mafra, que é conhecido pela sua grandeza e pela sua biblioteca, uma das mais importantes da Europa. Estes monumentos registaram um aumento significativo de visitantes em comparação com o ano anterior, mas ainda não atingiram os níveis pré-pandemia.