Economia Circular
A Economia Circular promete ser o futuro sistema económico por beneficiar simultaneamente as empresas, o ambiente e a sociedade. Conheça esta tendência e as potencialidades que representa.
O que é a economia circular?
O conceito de economia circular representa uma solução para ajudar a aliviar a escassez de recursos e a sobrecarga de resíduos, ao promover o modelo regenerativo de ‘explorar-produzir-usar-reutilizar’ em substituição do tradicional modelo linear de ‘explorar-produzir-usar-desperdiçar’ que sobrecarregou (e continua ainda a sobrecarregar) o planeta em níveis alarmantes.
Esta nova abordagem encontra na sua essência o princípio de que, por um lado, os recursos devem utilizados durante o máximo tempo possível e, por outro lado, que o desperdício e a poluição devem ser minimizados. O modelo circular procura, então, criar um sistema fechado (não linear, sublinhe-se) em que materiais e recursos são continuamente usados, reciclados e reinseridos na economia, em vez de serem desperdiçados. Por outras palavras, os recursos são encarados como sendo finitos.
Esta nova perspetiva não só pode ajudar a reduzir os impactos ambientais (emissões de carbono e resíduos) e a regenerar sistemas naturais como, simultaneamente, pode criar oportunidades económicas e melhorar a eficiência de recursos. Contudo, as questões em torno da possibilidade da economia circular vir a destronar o capitalismo trazem receios que têm obstaculizado a implementação de mais estratégias de circularidade. Estes obstáculos estão muitas vezes relacionados com a falta de informação e com uma dependência relativamente a modelos que se vão tornando obsoletos.
Desenvolver modelos de negócio circulares não só é positivo como é lucrativo para as empresas. Esta transformação só pode ser alcançada através do design de produtos e sistemas que sejam reparáveis, reutilizáveis e recicláveis. Isto significa que as empresas podem ter os seus ativos a operar durante mais tempo, ou seja, podem retirar mais dividendos desses ativos, aumentar a margem que retiram através dos produtos que fornecem, ao mesmo tempo que constroem relações de lealdade com os clientes pela iteração.1
Para além da vantagem ambiental, vários especialistas têm apontado para as estimativas de elevados ganhos na implementação de uma economia circular. A Comissão Europeia estima que o setor manufatureiro, por exemplo, ganhará 600 mil milhões de euros anualmente; a Finlândia prevê ganhar 2,5 mil milhões de euros por ano com a transição nacional para uma economia circular; e a economia mundial beneficiaria em 1000 milhões de dólares anualmente.2
Conceptualmente, a Economia Circular corresponde a uma nova abordagem ao desenvolvimento económico, que muitos entendem como o futuro sistema económico por beneficiar simultaneamente os três vetores: as empresas, o ambiente e a sociedade.3
Ao promover um modelo regenerativo, a Economia Circular é uma solução para ajudar a aliviar a escassez de recursos e a sobrecarga de resíduos. Opondo-se à linearidade dos processos, esta abordagem transformadora é sustentada pelos seguintes princípios/ objetivos:
1) retirar ou minimizar resíduos e poluição da atividade económica;
2) manter os produtos e os materiais em utilização no seu mais elevado valor pelo mais longo período de tempo;
3) regenerar os sistemas naturais.
Em larga medida, a revolução tecnológica e a globalização das cadeias de valor e de abastecimento trouxeram níveis de crescimento económico sem precedentes. Se até há quatro décadas atrás os produtos eram feitos para durar, mais recentemente o acesso facilitado a bens ditou a redução de qualidade e a alteração de comportamentos: mais consumo, menos uso, mais desperdício (ou seja, maior sobrecarga ambiental). Os níveis de poluição (aérea, terrestre, marítima) são resultado da trajetória e do nível de resíduos produzidos pelas economias. Os processos de manufatura são largamente dependentes de combustíveis fósseis que, para além de serem finitos por natureza, libertam emissões de gases de efeito de estufa que estão na base das alterações climáticas.
A consciência das externalidades negativas deste modelo trouxe, por isso, a urgência de repensar a forma como se exploram os recursos, como se produz, como se consome e como se tratam os produtos em fim de vida. Porém, convém esclarecer que a economia circular não se resume apenas a fazer (mais) reciclagem. Pelo contrário, é uma mudança muito mais estrutural na forma como pensamos, como nos comportamos, como consumimos. A ideia é, pois, a de reduzir, redesenhar, reutilizar, reparar circularmente.
A economia circular no centro do desenvolvimento sustentável
Ao longo dos últimos anos, tem vindo a ser consensualizada a ideia de necessidade de revisitar os princípios, lógicas e objetivos subjacentes ao funcionamento da economia internacional. Décadas de operacionalização de um sistema que privilegia a exploração de recursos (finitos), a produção em massa ao mínimo custo possível e a maximização do consumo (e do lucro) contribuíram para uma escassez dos recursos, para níveis extremos de resíduos e poluição e para a incapacidade de autorregulação/ regeneração dos ecossistemas, colocando em causa as fronteiras planetárias.
A ideia de um desenvolvimento que beneficie empresas (economia), sociedade e ambiente tem vindo a surgir não só como desejável, mas como um imperativo, para o qual todos têm que contribuir. Este não é um problema de gerações futuras, mas sim uma exigência presente, pelo que negligenciar as transformações em curso representa cada vez mais custos para as empresas, pondo em causa inclusivamente a sua competitividade e viabilidade económica.
Perante a insustentabilidade dos tradicionais modelos lineares de ‘explorar, produzir, utilizar, desperdiçar (‘take, make, use, dispose’) num mundo de recursos finitos, a lógica da circularidade (‘make, use, return’) aparece como a única direção possível. Esta junta-se a outros imperativos, como a transição energética e a bioeconomia, enquanto veículos estratégicos incontornáveis para alcançar um desenvolvimento sustentável.
A Economia Circular como oportunidade de negócio
Ao longo dos últimos anos, tem vindo a ser consensualizada a ideia de necessidade de revisitar os princípios, lógicas e objetivos subjacentes ao funcionamento da economia internacional. Décadas de operacionalização de um sistema que privilegia a exploração de recursos (finitos), a produção em massa ao mínimo custo possível e a maximização do consumo (e do lucro) contribuíram para uma escassez dos recursos, para níveis extremos de resíduos e poluição e para a incapacidade de autorregulação/ regeneração dos ecossistemas, colocando em causa as fronteiras planetárias.
A ideia de um desenvolvimento que beneficie empresas (economia), sociedade e ambiente tem vindo a surgir não só como desejável, mas como um imperativo, para o qual todos têm que contribuir. Este não é um problema de gerações futuras, mas sim uma exigência presente, pelo que negligenciar as transformações em curso representa cada vez mais custos para as empresas, pondo em causa inclusivamente a sua competitividade e viabilidade económica.
Perante a insustentabilidade dos tradicionais modelos lineares de ‘explorar, produzir, utilizar, desperdiçar (‘take, make, use, dispose’) num mundo de recursos finitos, a lógica da circularidade (‘make, use, return’) aparece como a única direção possível. Esta junta-se a outros imperativos, como a transição energética e a bioeconomia, enquanto veículos estratégicos incontornáveis para alcançar um desenvolvimento sustentável.
Evidentemente, pelo potencial de disrupção nas lógicas tradicionais de funcionamento das economias, coloca-se muitas vezes a questão de saber se/de que forma é que a economia circular é útil (lucrativa) para as empresas. No entanto, a operacionalização de uma economia circular traz oportunidades manifestas. Deve reconhecer-se, desde logo, que, ao desenvolver modelos de negócio circulares, as empresas podem manter os seus ativos em operação durante mais tempo e receber melhores retornos (maiores margens) pelos ativos e pelos produtos que oferecem. Adicionalmente, desta forma, graças às reiteradas interações, as empresas vão sedimentando relações com os clientes, o que é positivo para o negócio.
De acordo com a visão da UE, a década de 2020 é a década decisiva para a ação climática. Os investidores estão cada vez mais em busca de soluções sistémicas que tenham o potencial para reduzir emissões ao mesmo tempo que respondem a outros objetivos ambientais e sociais. Nesta lógica, a implementação de uma economia circular representa, em si mesma, uma grande oportunidade de negócio. Na Europa, espera-se que as iniciativas circulares nos setores da construção, alimentação e transporte produzam benefícios anuais de até €1,8 triliões até 2030. Noutros contextos geográficos, as oportunidades também se apresentam. Em África, por exemplo, a economia circular oferece uma oportunidade promissora para o desenvolvimento económico, criação de valor e desenvolvimento de skills, pelo que o continente pode ser visto como palco de grandes potencialidades para empresas portuguesas também nesta matéria.
Apesar das vantagens crescentemente apontadas a este modelo, menos de 9% dos recursos na economia mundial são geridos de acordo com princípios de circularidade, o que sugere que cerca de 90% dos recursos poderão estar sub-utilizados. A comprovar o crescente reconhecimento dos benefícios de mudar para uma economia menos linear está o facto de que, em junho de 2020, mais de 50 chefes de Estado e líderes mundiais adotaram o modelo económico circular como uma solução para um ‘build back better’, que facilite uma recuperação económica mais verde e sustentável.4
Em termos de compromisso para com a mudança, 40 cidades europeias assinaram em 2020 a Declaração das Cidades Circulares, cujo objetivo é apoiar as cidades na sua transição de uma economia linear para uma circular e enfatizar o papel crítico que as cidades desempenham nesta transição. Dentre as 40 cidades signatárias, metade já possui estratégias de economia circular implementadas ou em desenvolvimento. Destas, algumas são portuguesas: Albergaria-a-Velha, Braga, Évora, Guimarães, Loures, Porto, Torres Vedras.5
Em Portugal, o enquadramento político para a economia circular encontra-se no Plano de Ação para a Economia Circular em Portugal, em linha com o Novo Plano de Ação para a Economia Circular adotado pela Comissão Europeia em 2020. Este novo plano de ação anuncia iniciativas ao longo de todo o ciclo de vida dos produtos. Visa a forma como os produtos são concebidos, promove os processos da economia circular, incentiva o consumo sustentável e visa garantir que os resíduos são evitados e que os recursos utilizados são mantidos na economia da UE durante o maior período de tempo possível.6 Introduz medidas legislativas e não legislativas às quais as empresas portuguesas devem dar particular relevância.
No Relatório da Comissão Europeia sobre a aplicação do Plano de Ação para a Economia Circular salienta-se que “A circularidade gerou novas oportunidades de negócio, fez surgir novos modelos empresariais e desenvolveu novos mercados, tanto dentro como fora da União”.7 O Plano de Ação mais recente, adotado em março de 2020, trilha o caminho para uma Europa mais limpa e mais competitiva e constitui um dos pilares centrais do percurso para um crescimento sustentável. A transição da UE para uma economia circular reduzirá a pressão sobre os recursos naturais e criará crescimento sustentável e emprego. É também um pré-requisito para alcançar o objetivo de neutralidade climática da UE para 2050 e travar a perda de biodiversidade.
Dos resíduos à riqueza: exemplos do potencial transformador
A implementação de uma solução circular passa por promover o uso dos materiais até à sua extensão máxima, bem como por torná-los em algo novo no final do seu ciclo. Por outras palavras, o ciclo dos materiais pode passar por vários produtos em detrimento de ser perdido se for considerado desperdício (ou lixo) após a sua primeira materialização.
Se considerarmos que a produção de resíduos aumentou drasticamente ao longo das últimas décadas e que se estima que em 2050 a produção de lixo sólido municipal em todo o mundo aumente cerca de 70% para 3,4 mil milhões de toneladas, podemos reconhecer o desafio que isso representa, mas também o nível de oportunidades associadas, sobretudo tendo em consideração que, atualmente, só se recicla menos de 20% do lixo produzido.8 Soluções de gestão de resíduos que permitam, desde logo, usar os materiais secundários neles contidos são uma das estratégias principais da política ambiental da UE.9
Recycling
Processo que envolve a destruição de um produto (até aos seus materiais de base) para produzir outro(s).
Upcycling
Processo que envolve o aproveitamento de um item que já não é útil/ não está a uso e o transforma, de forma a ter novo propósito/ função.
De garrafas de plástico a vestuário
O número de empresas que está a enveredar pela escolha de fibras recicladas é crescente.
Empresas como a Nike, H&M, Gap, Banana Republic estão entre as mais de 70 marcas que se comprometeram a aumentar a percentagem de poliéster reciclado para 45% em 2025.10
De garrafas de plástico a calçado
Como forma de intercetar lixo plástico em praias e comunidades costeiras antes de chegar aos oceanos, a Adidas introduziu, em 2015, os primeiros ténis de corrida feitos de plástico reciclado. Esta produção resulta de uma parceria com uma organização ambiental (Parley) que vê o oceano como o mais importante ecossistema do planeta e tenta encontrar respostas para os desafios que enfrenta com criatividade e inovação.11
De grãos de café a… biocombustíveis; a troncos de lareira; a shampoo; a fertilizante
Diariamente, consomem-se mais de dois mil milhões de chávenas de café em todo o mundo, sendo que a maior parte dos grãos de café são desperdiçados (seis milhões de toneladas enviadas para aterros todos os anos). Isto traz consequências negativas para o ambiente, dado que os grãos de café em decomposição libertam metano para a atmosfera (gás de efeito de estufa com potencial de aquecimento 86 vezes maior do que o CO2). Ao mesmo tempo, trata-se de um recurso com variadas possibilidades de utilização.12
Os óleos naturais do café podem ser extraídos para se tornarem biocombustíveis. Foram já realizados testes com biodiesel derivado do café em autocarros em Londres.
De materiais de construção demolidos ao asfalto
Na implementação de uma economia circular, as iniciativas industriais são potencialmente mais transformadoras e impactantes do que as iniciativas focadas no consumidor. Neste sentido, os fornecedores de materiais de construção encontram-se numa posição relevante para transformar a forma como os componentes são adquiridos, utilizados e reutilizados.
Embora normalmente as estradas dentro de projetos residenciais sejam construídas a partir de agregados formados com areia, gravilha ou pedra, uma empresa tailandesa (SCG) apresentou uma solução de estrada de cimento reciclado, que usa betão triturado, oriundo de chãos de cimento demolidos que, de outra forma, seria desperdiçado.13 Ao manter o material em uso, a solução preserva alguma da energia usada na sua criação (designada de energia incorporada), o que ajuda a diminuir as emissões de dióxido de carbono.
Esta mesma empresa tailandesa tem vindo a levar a cabo projetos para a substituição de asfalto por sacos de plástico. Por outro lado, a empresa Veolia tem também vindo a apostar em soluções para valorizar a maioria dos materiais de construção e reduzir a sua pegada ambiental. De notar que o cimento é a segunda substância mais consumida no planeta e que esta indústria contribui cerca de 8% das emissões globais de CO2. A sua reutilização tem um grande potencial para o cumprimento dos targets nacionais de redução de emissões à luz do Acordo de Paris. Transferir a indústria para um modelo circular poderá, por isso, ser transformador.
Captura de lixo nos oceanos
Todos os anos, mais de oito milhões de toneladas de plástico poluem os oceanos, danificando os ecossistemas marinhos e as comunidades e economias de deles dependem. O Banco Mundial estima que a economia do mar representa cerca de 2,5% do PIB mundial, esperando-se que o seu valor duplique para 3 triliões de dólares em 2030.14 No entanto, a questão da poluição dos oceanos só recentemente atingiu centralidade política e mediática no âmbito de campanhas para diminuir o uso de plástico descartável. O objetivo de retirar plástico dos mares incentivou várias empresas a enveredar em soluções inovadoras. A conceção e implementação de armadilhas de lixo flutuantes, por exemplo, permite não só ir retirando parcelas de resíduos do ambiente marinho como permite, numa lógica de economia circular, recapturar o valor de materiais descartados.
De roupas não usadas a… novo vestuário
A H&M, uma das maiores lojas do mundo, está a trabalhar numa estratégia para se tornar 100% circular, reunindo vestuário usado nas suas lojas que é posteriormente reciclado. Desde 2013, a marca reuniu mais de 55 mil toneladas de tecido para reutilizar em novo vestuário.
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