Regras europeias de reporte não financeiro: quais são e como as navegar?
No contexto da evolução do papel das empresas e da crescente consciência de que as empresas impactam e são impactadas por pressões ambientais e sociais, tem-se assistido à proliferação de novas exigências e requisitos de reporting que colocam esta preocupação no centro das estratégias de negócio. Na verdade, o ambiente internacional de reporte de ESG está em clara transformação no sentido de colocar a atividade empresarial cada vez mais sob escrutínio, sendo as regras particularmente avançadas e exigentes no contexto da União Europeia.
A adaptação das empresas a estes novos requisitos não é, contudo, um processo fácil. O cenário europeu de reporte da sustentabilidade tem vindo a evoluir e é hoje complexo, abrangente, profundo e urgente. Isto justifica um olhar atento e um investimento dedicado por parte das empresas portuguesas.
Apesar das crescentes exigências, a realidade é que até recentemente eram múltiplas as dúvidas quanto ao processo de reporte, bem como quanto à qualidade, fiabilidade e comparabilidade dos dados reportados, incontornáveis para o sistema financeiro. Para mitigar estas dificuldades e também no sentido de contribuir para a estratégia de financiamento sustentável da UE, esta tem vindo a assumir um papel de pivot internacional, designadamente ao produzir uma taxonomia. A taxonomia da UE (Regulamento UE 2020/852)1 é, efetivamente, uma pedra angular do quadro financeiro sustentável da UE e um importante instrumento de transparência do mercado. Trata-se de um sistema de classificação que define critérios para atividades económicas que estão alinhadas com uma trajetória de neutralidade carbónica até 2050 e com objetivos ambientais mais amplos, além do clima. A taxonomia é um framework que ajuda a direcionar os investimentos para as atividades económicas mais necessárias para a transição, em consonância com os objetivos do Pacto Ecológico Europeu.
O reporte de elementos não financeiros não é uma exigência nova, dado que muitas empresas há muito estavam sujeitas a este tipo de disclosure. A Diretiva de Reporte de Informação Não Financeira (2014/95/EU – NFRD, em inglês)2 já preconizava a necessidade das grandes empresas terem que incluir no seu relatório de gestão uma demonstração não financeira com informações relativas à evolução, desempenho e impacto das suas atividades, referentes, no mínimo, às questões ambientais, sociais e relativas aos trabalhadores, ao respeito dos direitos humanos, ao combate à corrupção e às tentativas de suborno.3 Contudo, esta Diretiva foi recentemente alterada com a publicação da Diretiva relativa ao Reporte de Sustentabilidade Corporativa (2022/2464 - CSRD),4 que reformula e reforça as regras relativas à informação social e ambiental que as empresas têm de comunicar.
No âmbito da NFRD, as regras de reporte aplicavam-se somente às grandes empresas de interesse público com mais de 500 trabalhadores, perfazendo um total de aproximadamente 11 700 grandes empresas e grupos em toda a EU (incluindo sociedades cotadas em bolsa, bancos, companhias de seguros e outras sociedades designadas pelas autoridades nacionais como entidades de interesse público). No âmbito da CSDR, um conjunto mais vasto de grandes empresas, bem como de PME cotadas, terá agora de apresentar relatórios sobre sustentabilidade.
Ao promover a apresentação de relatórios públicos fiáveis e de elevada qualidade, as novas regras contribuem para a criação de uma maior cultura de responsabilização. Ao mesmo tempo, assegurarão que os stakeholders (investidores e outras partes interessadas) terão acesso às informações de que necessitam para avaliar o impacto das empresas nas pessoas e no ambiente e, simultaneamente, para avaliar os riscos e oportunidades financeiras decorrentes das alterações climáticas e de outras questões de sustentabilidade. A adoção desta Diretiva significa, portanto, que os custos da comunicação de informações serão reduzidos a médio e longo prazo através da harmonização das informações a fornecer.
Nesta linha da simplificação do processo e da procura de maior clareza, foram recentemente adotados os Standards Europeus de Reporte da Sustentabilidade (ESRS).5 As empresas sujeitas à CSRD terão de apresentar relatórios de acordo com estes Standards.
Os standards ESRS estão divididos em três categorias:
- normas gerais ou transversais (requisitos e divulgações gerais)
- normas temáticas (ambiente, social, governance) e
- normas setoriais.
As normas transversais e temáticas são agnósticas, ou seja, aplicam-se a todas as atividades independentemente do setor ou setores em que a empresa opera. As normas transversais aplicam-se às matérias de sustentabilidade abrangidas pelas normas temáticas e setoriais. As normas temáticas cobrem cada um dos temas da sustentabilidade e estão estruturadas em tópicos e sub-tópicos. As normas setoriais são aplicáveis a todas as atividades dentro de um setor.6 Tratam dos impactos, riscos e oportunidades que têm probabilidade de ser materiais para as empresas de um setor específico e que não estão cobertas pelas normas temáticas.
Quais as empresas sujeitas à CSRD e qual o calendário para o cumprimento do reporte de sustentabilidade?
Uma das grandes alterações do CSDR relativamente à NFRD é precisamente o alargamento do âmbito de aplicação, ou seja, as novas regras aplicam-se, numa lógica obrigatória, a um número muito mais amplo de empresas. Estarão abrangidas:
- todas as grandes empresas (incluindo filiais na UE de empresas-mãe de países terceiros) definidas como empresas que excedam pelo menos dois dos três critérios: ativos totais de 20 milhões de euros; volume de negócios superior a 40 milhões de euros; mais de 250 colaboradores;
- sociedades com valores mobiliários cotados num mercado regulamentado da UE, independentemente de o emitente estar estabelecido na UE ou num país terceiro. Isto inclui as pequenas e médias empresas (PMEs) cotadas em bolsa, com exceção de certas microempresas.
Em termos de calendário,7 importa clarificar que as alterações terão já impacto nas divulgações de relatórios de sustentabilidade a partir de janeiro de 2024. Para os exercícios financeiros com início em ou após 1 de janeiro de 2024, a CSRD aplicar-se-á às empresas que já estão sujeitas à NFRD (apresentação de relatório em 2025). As grandes empresas que não estão atualmente sujeitas à NFRD terão de aplicar a CSRD a partir de exercícios com início em ou após 1 de janeiro de 2025 e, por conseguinte, comunicar em 2026 os dados de 2025. Para os exercícios financeiros com início em ou após 1 de janeiro de 2026, a CSRD será alargada às PME cotadas, embora sujeita a uma opção de auto-exclusão (opt-out) até 2028, sendo o relatório de 2027 referente aos dados de 2026.8
Adicionalmente, a CSRD terá impacto nas empresas de países terceiros com receitas anuais geradas na UE superiores a 150 milhões de euros e que tenham também ou uma filial grande (ou cotada) na UE ou uma sucursal significativa (gerando receitas de 40 milhões de euros). A respetiva filial ou sucursal terá a responsabilidade de publicar, a partir de 2028, relatórios de sustentabilidade consolidados em conformidade com a CSRD.
Um dos principais pilares da CSRD é a exigência de que as empresas abrangidas divulguem informações de sustentabilidade de acordo com os Standards Europeus de Reporte da Sustentabilidade (ESRS) . Estes standards contêm requisitos de reporte para uma vasta gama de temas de sustentabilidade, aplicando uma abordagem de dupla materialidade. O primeiro conjunto de ESRS corresponde a padrões de relatórios gerais e independentes do setor (também conhecidos como ESRS 1). Estas normas foram adotadas pela Comissão Europeia a 30 de junho de 2023, para utilização por todas as empresas abrangidas pelo CSRD. Estes ESRS, independentes do setor, devem ser aplicados pelas empresas a partir de 1 de janeiro de 2024. A lógica é a de que este primeiro conjunto de ESRS seja seguido de normas de reporte específicas para setores (como petróleo e gás, mineração, transporte rodoviário, têxteis, agricultura e pesca). Era expectável que este conjunto de normas setoriais específicas fosse apresentado em meados de 2024. Contudo, em outubro de 2023 a Comissão Europeia propôs um adiantamento da apresentação destas normas e, a 7 de fevereiro de 2024, os Estados acordaram em adiar dois anos a adoção das normas setoriais, ou seja, até junho de 2026. Esta alteração tem por base a vontade da Comissão dar tempo às empresas de implementarem as normas gerais e de se prepararem para as normas setoriais.
Quais as obrigações para as PMEs? Seguem as mesmas regras?
Considerando que o panorama económico português é composto por uma grande maioria de pequenas e médias empresas, a questão que se coloca é a de saber se estas regras se aplicam também a esta categoria de empresas. De facto, a Diretiva não impõe novos requisitos de reporte às PMEs, com exceção das empresas cotadas em bolsa. Mesmo para estas, está previsto um regime de reporte proporcional: não são obrigadas a comunicar informações sobre sustentabilidade até ao exercício de 2026, com a possibilidade de um opt-out adicional de dois anos (ou seja, até 2028). Adicionalmente, as PME cotadas em bolsa podem apresentar relatórios de acordo com normas separadas e proporcionais que serão menos exigentes do que o conjunto completo de ESRS adotado pela Comissão Europeia.
O EFRAG encontra-se atualmente a desenvolver um conjunto de normas que se destinarão a estas empresas. O objetivo é o de produzir normas mais simples e voluntárias para utilização por PME não cotadas. Estas devem permitir que as PME não cotadas respondam aos pedidos de informações sobre sustentabilidade de forma eficiente e proporcional, facilitando assim a sua participação na transição para uma economia sustentável.
Apesar da imposição destas normas para as PMEs não estar prevista para o quadro temporal mais imediato, as empresas portuguesas não devem postergar a incorporação de estratégias sustentáveis. Numa sondagem da KPMG de 2022, quase 70% dos gestores manifestou crescentes exigências de transparência e reporte ESG por parte do público, dos investidores e demais stakeholders.9 Neste sentido, as empresas devem interpretar as transformações em curso e o ambiente de crescente regulação da sustentabilidade e agir, já que este é um processo irreversível.
A complexidade das exigências de reporte é considerável, mas o contexto também é de crescente clarificação e harmonização das normas. A aicep, enquanto agência vocacionada para o desenvolvimento de um ambiente de negócios competitivo, encontra-se a acompanhar ativamente estas transformações e a desenvolver ferramentas de apoio à transição sustentável das empresas portuguesas.