Oriundo da língua inglesa, o termo “Snacking” significa literalmente, “pronto a comer” e está ligado ao campo lexical do petiscar ou das refeições rápidas. Os snacks tornaram-se uma tendência de consumo essencial em França, respondendo à crescente procura dos consumidores por soluções rápidas para comer. O mercado do “snacking” em França representa entre 17 e 20 mil milhões de euros.
Em 2023 o número de pontos de venda de snacks em França foi de 51.500 (+4,08% face a 2022). Perto de um terço dos consumidores (28%) frequenta um local de snacks para almoçar pelo menos uma vez por semana (fins de semana incluídos), quando eram 25% em 2022. Os locais de consumos são maioritariamente a restauração rápida (40%) e as padarias/pastelarias (18%).
Mais recentemente, a restauração rápida (fast-food), sempre ultradinâmica, continuou a conquistar quota de mercado aos restaurantes tradicionais. O canal Horeca representou no início deste ano um terço de todas as refeições (excluindo o pequeno-almoço e os lanches), sendo os estabelecimentos mais frequentados as padarias (52%), pizzarias/restauração italiana (51%) e marcas de fast-food (41%).
Estes dados são não só o resultado de tendências de consumo mas também, segundo uma série de analistas, de uma evolução da sociedade francesa no seu modo de alimentação. Num artigo de 18 set. 2024 o jornal económico “Les echos”, alertava “Quando o snacking abana a sacrossanta refeição francesa”, argumentando que “os franceses gastam hoje muito mais dinheiro em batatas fritas e outros biscoitos salgados do que em produtos como massas ou mesmo ovos”. O mercado francês do snacking, que pesa cerca de 18MM€, está a evoluir a grande velocidade, com “o mercado de produtos aperitivos a totalizar vendas de 3,2 mil milhões de euros nos últimos doze meses até ao final de agosto, apresentando um crescimento próximo dos 5%. Isto é, três vezes mais do que as massas (1,1 mil milhões de euros) ou a carne picada (1,2 mil milhões de euros).”
A documentação disponível, artigos, análises e estudos, aponta várias explicações para o fenómeno:
O período de Covid, com a generalização do teletrabalho, impulsionou o setor, “desestruturando o ritmo das 3 refeições e multiplicando pausas ao longo do dia”, ao ponto que, segundo o gabiente CHD Expert-Datassential, “a meio da manhã, dois terços dos ativos franceses param para petiscar e beber”. Também à hora do lanche, “mais de um em cada dois franceses delicia-se com um doce, cada vez mais de inspiração americana (muffin, cookie, donut, etc.)”.
Esta destruturação não afeta só o almoço. Também os pequenos-almoços têm tendência para desaparecer, nomeadamente nas populações mais jovens, que privilegiam um período de sono mais longo. Aliás, esta mutação tem vindo a prejudicar os industriais dos lacticínios, mas a favorecer outros como a General Mills, que quadruplicou as vendas da sua barra de cereais Nature Valley em dois anos.”
Mais recentemente, mesmo os jantares são alvo de transformação, nomeadamente com “o crescente sucesso dos jantares-aperitivos. E foi aqui, sem dúvida, que se verificaram as mudanças mais profundas. É também aqui que as batatas fritas, os amendoins, as castanhas de caju e os biscoitos salgados encontraram uma área de desenvolvimento excecional.”
O aumento da qualidade dos produtos de snacking (qualidade nutricional e gustativa), embalagens atrativas e fáceis de utilizar, oferta cada vez mais variada e personalizada (“vegan”, e produtos “sem…”, etc.), são igualmente aventadas como justificação para esta transformação dos padrões de consumo.
Por outro lado, as razões de índole societal ajudam a compreender o fenómeno, em especial “a preguiça de preparar uma refeição”, a tal ponto que as batatas fritas, amendoins ou frutos secos até substituem certas refeições, com estudantes a declararem que “quando tenho fome, como barras de cereais, um folhado, um cookie.”
Adicionalmente, não são de descurar as razões de cariz económico. Segundo Emily Mayer, Business Insights da empresa Circana, estas novas formas de comer explicam-se de várias formas: “depois dos dois anos de inflação que acabámos de viver, sentimos que os franceses procuram produtos que lhes permitam preparar as refeições de uma forma bastante prática e económica. Os snacks podem cumprir ambos os requisitos e são estes produtos que são mais populares.”
A queda do poder de compra impacta a carteira dos consumidores tanto em termos de frequência, como no valor do cabaz médio e sobretudo na “restauração à mesa” fora do domicílio. Segundo os dados da Gira Foodservice/Circana, 41% frequentam menos os estabelecimentos de restauração (dos quais 53% de Heavy users e 54% dos GenZ), 17% reduziram a sua frequência à hora do almoço e 13% à noite. O mesmo estudo nota ainda “… uma quebra no cabaz médio de compras (15% dos inquiridos frequentam os mesmos pontos de venda mas reduziram o seu cabaz médio) e uma quebra nos bens alimentares (os inquiridos reduziram a suas compras de sobremesas (14%), bebidas alcoólicas (13%), aperitivo (12%) …) Este contexto de mercado favorece assim a oferta de snacks e orienta a escolha dos consumidores no seu consumo fora de casa.
A pressão económica toca particularmente os jovens. Segundo um estudo da Harris Interactive “Os franceses e a alimentação diária”, os jovens entre os 15 e os 24 anos, cozinham menos para si próprios (79%), em comparação com ao resto da população (88%). Além disso, menos de um em cada três jovens (31%) cozinha produtos frescos, em comparação com quase metade (46%) de toda a população. E como comem menos produtos frescos, os jovens têm logicamente mais tendência para consumir produtos transformados: 61% consomem produtos preparados, em comparação com 42% para o resto dos franceses. Naturalmente também são os jovens de 15/24 anos os que mais frequentam os fast-food (59%).
Nesta transformação dos hábitos alimentares, também os circuitos de venda estão em evolução. Se as vendas são realizadas maioritariamente nas GSA (grandes superfícies alimentares), as redes locais e os circuitos alternativos (padarias, estações de serviço, tabacarias, máquinas de venda automática e caixas de lojas não alimentares (como cadeias de fitness) também se destacam neste mercado frequentemente associado ao consumo “nómada”. Assim, se os primeiros beneficiários são as GSA, a restauração rápida (fast-foods) ou as padarias/pastelarias e outras redes especializadas, a média e grande distribuição está a começar a organizar uma oferta integrada. Exemplos como o Carrefour (Carrefour Bon Appétit) ou Monoprix (Dailymonop’) que lançaram restaurantes “económicos” baseados em produtos da sua oferta alimentar e snacks, ou ainda o especialista distribuidor de produtos congelados “Picard” que criou o conceito “Snack-Bar”, um distribuidor automático de refeições congeladas, com possibilidade de consumir no local de venda.
Também se criaram zonas de restauração em centros comerciais e super e hipermercados (cadeiras altas, mesas, micro-ondas, etc.), quebrando os códigos de consumo dentro e fora de casa. Stands/locais operados por empresas terceiras (como a Hana Group, a Kelly Deli ou mesmo a Kimoco e a Sky Kitchen) invadiram três quartos dos hipermercados Carrefour e estão agora instalados em formatos de conveniência (como as saladas Picadeli da Greenfood presentes em muitos supermercados da Franprix).”
A distribuição automática beneficia igualmente destes novos modos de nomadismo, com instalações de vitrinas refrigeradas em café/tabacarias para atrair estudantes e trabalhadores, distribuidores de comida quente dentro dos locais das empresas, etc. Note-se que o líder Selecta, que sofreu com o período Covid, está de novo em crescimento indicando que “continua a tendência positiva da receita diária por máquina, que atingiu os 13,0 euros, um valor em crescimento de 12,6% face ao ano anterior.”
Mesmo se não existe uma unanimidade, pode-se inferir a hipótese de que esta evolução é mais do que uma tendência temporária. Um dos argumentos é a evolução globalmente negativa da demografia na maioria dos países desenvolvidos, a diminuição do número de crianças nos agregados familiares, o que limita ou faz desaparecer a obrigação, os ritmos e o tipo de refeições.