Num contexto em que o conceito ultra-fast fashion, representada pela marca chinesa Shein, provoca polémicas, debates políticos e preocupações ambientais, progride em paralelo o movimento do mercado em segunda mão. Ainda que bastante aliada à resposta do consumidor à forte diminuição do poder de compra, a mudança do tipo de consumo é, também, cultural, ambiental e geracional, e tem alterado por completo a forma como se consume e fala de Moda.
Atualmente, o segmento da moda em segunda-mão acomoda um consumo mais económico e uma prática alinhada com os novos valores emergentes de consumo consciente e sustentável. Em França, o impacto já se sente em toda a cadeia da moda, desde o retalho considerado acessível às “Maisons” de luxo.
O barómetro de consumidores do Institut Français de la Mode (IFM) nomeou a plataforma Vinted como o maior vendedor de vestuário em número de peças em França, superando marcas estabelecidas como a Kiabi e até a Amazon.
Este ponto de viragem no setor tem por base, sobretudo, a sustentabilidade. Com um preço médio de cerca de 14 euros por peça, a Vinted consegue competir diretamente com o modelo de baixo custo da Shein, que ronda os 9 euros médios, e acrescenta uma vantagem decisiva: não contribuiu para a sobreprodução característica da fast-fashion.
O mercado global de moda em segunda-mão, segundo dados da consultora BCG, elaborados em conjunto com a plataforma Vestiaire Collective, atingiu 210 mil milhões de dólares em 2025, o que representa um crescimento anual médio de 10% face aos 130 mil milhões registados apenas três anos antes, um ritmo muito superior ao segmento de moda nova.
Esta tendência de crescimento faz-se acompanhar de previsões que indicam que, até 2030, o segmento de moda em segunda-mão poderá atingir entre 320 e 360 mil milhões de dólares, um crescimento três vezes mais rápido que o do mercado tradicional. Confirmando-se esta tendência, dentro de cinco anos, o mercado de moda em segunda-mão poderá representar um volume equivalente ao do setor de luxo nos dias de hoje.
França surge como o país onde estes hábitos já são mais do que uma tendência, começa a ser a norma que corresponde aos anseios de milhões de consumidores. No mercado francês são vendidos mais de 10 milhões de artigos de vestuário por dia, sendo 35% deste valor adquirido em saldos ou promoções, demonstrando a sensibilidade dos consumidores ao preço. Neste quadro, a segunda-mão representa cerca de 12% das transações totais e 18% das compras online, segundo o IFM. Estes valores refletem a passagem do comportamento, que antes era de nicho para estudantes, jovens adultos e ambientalistas, para um novo tipo de consumo amplamente preferido, desde o vestuário low-cost a artigos de luxo, incluído acessórios, marroquinaria e peças vintage.
Apesar do dinamismo do mercado, fora a plataforma Vinted, este encontra obstáculos como, por exemplo, tornar o processo economicamente viável para as marcas e retalhistas. Uma peça em segunda-mão exige triagem, higienização, lavagem e até pequenas reparações, e este tipo de cuidados necessários para garantir confiança e qualidade ao consumidor acarreta custos significativos. Para contornar estas dificuldades e, ainda assim, acompanhar as tendências do setor, muitas marcas têm vindo a optar por estabelecer parcerias com empresas especializadas em revalorização têxtil, como a Faume. Neste sentido, o eco-organismo Refashion trabalha na criação de hubs dedicados ao tratamento e circulação de produtos usados, com o objetivo de no futuro industrializar e reduzir o custo do processo.
Para além desta tentativa de acompanhar o ritmo da tendência da moda em segunda-mão, várias marcas e grandes armazéns, do high street ao luxo, começam a incorporar o segmento nos seus modelos de negócio. A H&M, por exemplo, abriu espaços dedicados a peças vintage em lojas piloto em Paris; o Printemps inaugurou o “7e Ciel”, um espaço dedicado à moda circular, onde compra os artigos diretamente a clientes e trabalha com mais de 70 parceiros para apresentar uma forte oferta de moda em segunda-mão; as Galeries Lafayette, surgem com o seu departamento “(Re)Store”; e feiras profissionais com a Première Classe que introduziram espaços de moda vintage. Este comportamento é, igualmente, visível no segmento premium e de luxo através de plataformas como a Vestiaire Collective. No entanto, a autenticidade continua a ser algo que os consumidores preferem, isto é, mais de metade dos compradores de luxo (54%) preferiria comprar artigos usados apenas se fossem vendidos pelas próprias marcas (relatório Luxomony da EY).
Em tom de conclusão, a ascensão do consumo de moda em segunda-mão reflete uma mudança dos valores dos consumidores dos dias de hoje. É uma mudança geracional, acompanhada pela preocupação ambiental e pelas dificuldades económicas que continuam a intensificar-se.
O consumo de vestuário, acessórios, marroquinaria e calçado irá ser sempre uma necessidade e vontade da sociedade, mas o desejo de consumir de forma mais seletiva tem tornado o mercado da moda em segunda-mão um dos mais dinâmicos da indústria da moda. A Vinted tornou-se líder de vendas em França e as grandes cadeias adaptaram as suas estratégias para integrar o consumo circular, passando a ver este segmento como uma oportunidade e não uma ameaça.
O consumo em segunda-mão é, então, uma realidade que já se instalou nos valores da sociedade e está em rápido crescimento, evidenciando que a sustentabilidade deixou de ser um complemento e passou a ser o foco, independentemente das razões que acompanham os consumidores no momento de decisão.