O agravamento de tarifas aduaneiras por Donald Trump sobre os produtos oriundos da União Europeia (UE) acabarão por afetar as empresas portuguesas que exportam para a maior economia do mundo.
O peso dos Estados Unidos nas exportações portuguesas de bens tem aumentado nos últimos anos e atingiu, em 2024, o equivalente a quase 2% do Produto Interno Bruto (PIB), com o montante líquido a atingir máximos históricos. E agora? O que acontece se esta torneira se fechar?
"Os sectores mais afetados serão os bens manufaturados, especialmente os sectores químico, de máquinas e automóvel, devido a tarifas atualmente mais baixas e dificuldade em encontrar mercados substitutos. Mas também produtos alimentares e primários", começa por identificar Gonçalo Pina, economista e professor na ESCP Business School, em Berlim.
O Instituto Nacional de Estatística (INE) mostra que de Lisboa para Washington seguem sobretudo produtos químicos (aqui destaca-se a indústria farmacêutica), minerais e máquinas/aparelhos. Estes três tipos de bens somados representam 55,3% do total de exportações de bens para a maior economia do mundo.
Em 2024, Portugal exportou um total de 5,3 mil milhões de euros em bens para os Estados Unidos, um valor histórico, o que representa cerca de 1,9% da riqueza que a economia portuguesa gerou. Nos últimos anos, Washington aumentou a sua influência junto de Lisboa, passando a ser o quarto maior cliente em termos de bens, com um peso no total de exportações de 6,7%. É apenas superado por Espanha (25,9%), Alemanha (12,4%) e França (12,2%).
Olhando para o histórico, as exportações para os Estados Unidos engordaram 248% desde o início do século.
As tarifas agora impostas por Donald Trump podem colocar um travão a este crescimento quase contínuo. E os números de janeiro deste ano, ainda antes de serem agravadas as tarifas aduaneiras, divulgados pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE) mostram já uma queda homóloga de 13,4%, apesar de as exportações no total até terem aumentado 11,7%. O que significa que as empresas portuguesas já estão a procurar alternativas. A incerteza é logo o primeiro fator a penalizar as exportações.
O grande argumento de Trump para a imposição de tarifas é travar o défice comercial que os Estados Unidos têm para grande parte dos restantes países. Portugal é um deles. Os dados do US Census Bureau mostram que este défice até caiu em 2024, face ao ano anterior, mas ainda é de 3186 milhões de euros, com vantagem para Portugal. Há uma década era 1895 milhões.
Hoje, à Rádio Observador, o ministro da Economia, Pedro Reis, explicou que Portugal vai esperar pela atuação conjunta da União Europeia, garantindo que o país está já a trabalhar em medidas para a internacionalização e procura de novos mercados, esperando ainda alguns apoios comunitários para compensar parte das perdas.
Esta tarde, o ministério da Economia já comunicou que irá reunir com 16 associações empresariais.
Mas o efeito do agravamento das tarifas não se vai sentir apenas de forma direta - ou seja, não se vai espelhar apenas nas vendas diretas de Portugal para os EUA -, mas também de forma indireta, englobando o que vendemos para outros países que, por sua vez, reexportam para os Estados Unidos. E aqui destaca-se muito em particular o caso da Alemanha, que em 2024 foi o segundo maior mercado das exportações portuguesas de bens, valendo 9,81 mil milhões de euros. Grande parte dos estudos económicos feitos nas últimas semanas apontam a Alemanha como um dos países cuja economia vai ser mais afetada pelas tarifas de Trump.
Para Gonçalo Pina, o próximo passo de Bruxelas terá de ser "aumentar a integração do mercado interno e estabelecer acordos comerciais com outros países, baixando as taxas em conjunto entre eles".
Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) estimam que as barreiras no comércio interno da UE equivalem a tarifas de 45% nos bens e de 110% nos serviços. O problema foi levantado pelo ex-presidente do Banco Central Europeu (BCE) num artigo de opinião publicado pelo Financial Times, há cerca de um mês.
MENOS CRESCIMENTO, MAIS INFLAÇÃO
Quem quer que seja o vencedor das próximas eleições legislativas, marcadas para o dia 18 de maio, terá de lidar, muito provavelmente, com um cenário de menor crescimento face ao esperado e de maior inflação. São essas as maiores consequências diretas da imposição de tarifas agravadas pelos EUA e da respetiva retaliação por parte dos países europeus.
Antes desta quarta-feira, a ameaça de Trump era a da imposição de taxas na ordem dos 25% sobre produtos europeus, mas o republicano acabou a avançar com 20% - que se somam à tarifa média de 3% em vigor. De qualquer forma, os impactos serão semelhantes e vão sentir-se sobretudo "em menos crescimento (via menores trocas internacionais e perturbação das cadeias de valor) e mais inflação (nomeadamente se houver retaliação da UE), o que, na prática, também poderá intensificar o efeito negativo sobre o crescimento", explicou Paula Carvalho, economista-chefe do BPI, antes de se saber o valor final das tarifas.
"Não há dúvida que a guerra comercial terá um impacto doméstico negativo no crescimento e na inflação", concorda Paulo Trigo Pereira, professor do ISEG, mas acrescenta que de qualquer modo, não me parece que as exportações portugueses venham a ser muito afetadas diretamente pelas tarifas aduaneiras, pois o turismo deverá manter-se elevado e várias das nossas exportações são de bens bons e baratos na relação preço qualidade (como vinho, sapatos, etc.), que aguentam bem tarifas mais altas. Mas, podem ser afetadas indiretamente pelo menor crescimento económico de alguns países, nomeadamente a Alemanha, indicou em declarações ao Expresso, antes de ser conhecida a dimensão das novas tarifas, anunciadas por Trump, na quarta-feira, 2 de abril.
No Boletim Económico do Banco de Portugal, de março deste ano, previa-se já qual podia ser o impacto das tarifas alfandegárias. Ainda com base na ameaça dos 25%, o banco central previa uma penalização cumulativa de 1,1% do PIB de Portugal ao fim de três anos, e mais concentrada logo no primeiro ano.
Em 2023, a economia portuguesa cresceu 2,5% e voltou a expandir-se 1,9% em 2024, de acordo com o INE. Estes crescimentos foram impulsionados sobretudo pelo consumo privado, que tem sido o grande motor do crescimento da economia nacional, compensado o menor investimento e a procura externa.
Ora, num cenário de retaliação tarifária, como aquele que se avizinha, é expectável que o consumo privado seja afetado, uma vez que o preço dos bens deverá sofrer um aumento, que não será acompanhado pelo crescimento de salários, pelo menos, no imediato.
Em respostas ao agravamento das tarifas aduaneiras pelos EUA, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, já acenou com uma retaliação, mas afirmou que está disposta a trabalhar com os Estados Unidos, para negociar o que foi anunciado. Os analistas do JP Morgan já estimavam uma redução média anual de 1% do PIB na Europa, até 2026, só com o clima de incerteza que se vivia até aqui.
Em causa está também a atuação do BCE, que volta a reunir-se neste mês de abril, no dia 17, para decidir se continua ou não a cortar os juros de referência na zona euro. As minutas da última reunião, que teve lugar em março, divulgadas esta quinta-feira, mostram que a perspetiva sobre os próximos passos a tomar já começaram a divergir entre os decisores de política monetária. Os economistas do ING estimam, ainda assim, um novo corte de taxas este mês de 25 pontos base.
O peso dos Estados Unidos nas exportações portuguesas de bens tem aumentado nos últimos anos e atingiu, em 2024, o equivalente a quase 2% do Produto Interno Bruto (PIB), com o montante líquido a atingir máximos históricos. E agora? O que acontece se esta torneira se fechar?
"Os sectores mais afetados serão os bens manufaturados, especialmente os sectores químico, de máquinas e automóvel, devido a tarifas atualmente mais baixas e dificuldade em encontrar mercados substitutos. Mas também produtos alimentares e primários", começa por identificar Gonçalo Pina, economista e professor na ESCP Business School, em Berlim.
O Instituto Nacional de Estatística (INE) mostra que de Lisboa para Washington seguem sobretudo produtos químicos (aqui destaca-se a indústria farmacêutica), minerais e máquinas/aparelhos. Estes três tipos de bens somados representam 55,3% do total de exportações de bens para a maior economia do mundo.
Em 2024, Portugal exportou um total de 5,3 mil milhões de euros em bens para os Estados Unidos, um valor histórico, o que representa cerca de 1,9% da riqueza que a economia portuguesa gerou. Nos últimos anos, Washington aumentou a sua influência junto de Lisboa, passando a ser o quarto maior cliente em termos de bens, com um peso no total de exportações de 6,7%. É apenas superado por Espanha (25,9%), Alemanha (12,4%) e França (12,2%).
Olhando para o histórico, as exportações para os Estados Unidos engordaram 248% desde o início do século.
As tarifas agora impostas por Donald Trump podem colocar um travão a este crescimento quase contínuo. E os números de janeiro deste ano, ainda antes de serem agravadas as tarifas aduaneiras, divulgados pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE) mostram já uma queda homóloga de 13,4%, apesar de as exportações no total até terem aumentado 11,7%. O que significa que as empresas portuguesas já estão a procurar alternativas. A incerteza é logo o primeiro fator a penalizar as exportações.
O grande argumento de Trump para a imposição de tarifas é travar o défice comercial que os Estados Unidos têm para grande parte dos restantes países. Portugal é um deles. Os dados do US Census Bureau mostram que este défice até caiu em 2024, face ao ano anterior, mas ainda é de 3186 milhões de euros, com vantagem para Portugal. Há uma década era 1895 milhões.
Hoje, à Rádio Observador, o ministro da Economia, Pedro Reis, explicou que Portugal vai esperar pela atuação conjunta da União Europeia, garantindo que o país está já a trabalhar em medidas para a internacionalização e procura de novos mercados, esperando ainda alguns apoios comunitários para compensar parte das perdas.
Esta tarde, o ministério da Economia já comunicou que irá reunir com 16 associações empresariais.
Mas o efeito do agravamento das tarifas não se vai sentir apenas de forma direta - ou seja, não se vai espelhar apenas nas vendas diretas de Portugal para os EUA -, mas também de forma indireta, englobando o que vendemos para outros países que, por sua vez, reexportam para os Estados Unidos. E aqui destaca-se muito em particular o caso da Alemanha, que em 2024 foi o segundo maior mercado das exportações portuguesas de bens, valendo 9,81 mil milhões de euros. Grande parte dos estudos económicos feitos nas últimas semanas apontam a Alemanha como um dos países cuja economia vai ser mais afetada pelas tarifas de Trump.
Para Gonçalo Pina, o próximo passo de Bruxelas terá de ser "aumentar a integração do mercado interno e estabelecer acordos comerciais com outros países, baixando as taxas em conjunto entre eles".
Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) estimam que as barreiras no comércio interno da UE equivalem a tarifas de 45% nos bens e de 110% nos serviços. O problema foi levantado pelo ex-presidente do Banco Central Europeu (BCE) num artigo de opinião publicado pelo Financial Times, há cerca de um mês.
MENOS CRESCIMENTO, MAIS INFLAÇÃO
Quem quer que seja o vencedor das próximas eleições legislativas, marcadas para o dia 18 de maio, terá de lidar, muito provavelmente, com um cenário de menor crescimento face ao esperado e de maior inflação. São essas as maiores consequências diretas da imposição de tarifas agravadas pelos EUA e da respetiva retaliação por parte dos países europeus.
Antes desta quarta-feira, a ameaça de Trump era a da imposição de taxas na ordem dos 25% sobre produtos europeus, mas o republicano acabou a avançar com 20% - que se somam à tarifa média de 3% em vigor. De qualquer forma, os impactos serão semelhantes e vão sentir-se sobretudo "em menos crescimento (via menores trocas internacionais e perturbação das cadeias de valor) e mais inflação (nomeadamente se houver retaliação da UE), o que, na prática, também poderá intensificar o efeito negativo sobre o crescimento", explicou Paula Carvalho, economista-chefe do BPI, antes de se saber o valor final das tarifas.
"Não há dúvida que a guerra comercial terá um impacto doméstico negativo no crescimento e na inflação", concorda Paulo Trigo Pereira, professor do ISEG, mas acrescenta que de qualquer modo, não me parece que as exportações portugueses venham a ser muito afetadas diretamente pelas tarifas aduaneiras, pois o turismo deverá manter-se elevado e várias das nossas exportações são de bens bons e baratos na relação preço qualidade (como vinho, sapatos, etc.), que aguentam bem tarifas mais altas. Mas, podem ser afetadas indiretamente pelo menor crescimento económico de alguns países, nomeadamente a Alemanha, indicou em declarações ao Expresso, antes de ser conhecida a dimensão das novas tarifas, anunciadas por Trump, na quarta-feira, 2 de abril.
No Boletim Económico do Banco de Portugal, de março deste ano, previa-se já qual podia ser o impacto das tarifas alfandegárias. Ainda com base na ameaça dos 25%, o banco central previa uma penalização cumulativa de 1,1% do PIB de Portugal ao fim de três anos, e mais concentrada logo no primeiro ano.
Em 2023, a economia portuguesa cresceu 2,5% e voltou a expandir-se 1,9% em 2024, de acordo com o INE. Estes crescimentos foram impulsionados sobretudo pelo consumo privado, que tem sido o grande motor do crescimento da economia nacional, compensado o menor investimento e a procura externa.
Ora, num cenário de retaliação tarifária, como aquele que se avizinha, é expectável que o consumo privado seja afetado, uma vez que o preço dos bens deverá sofrer um aumento, que não será acompanhado pelo crescimento de salários, pelo menos, no imediato.
Em respostas ao agravamento das tarifas aduaneiras pelos EUA, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, já acenou com uma retaliação, mas afirmou que está disposta a trabalhar com os Estados Unidos, para negociar o que foi anunciado. Os analistas do JP Morgan já estimavam uma redução média anual de 1% do PIB na Europa, até 2026, só com o clima de incerteza que se vivia até aqui.
Em causa está também a atuação do BCE, que volta a reunir-se neste mês de abril, no dia 17, para decidir se continua ou não a cortar os juros de referência na zona euro. As minutas da última reunião, que teve lugar em março, divulgadas esta quinta-feira, mostram que a perspetiva sobre os próximos passos a tomar já começaram a divergir entre os decisores de política monetária. Os economistas do ING estimam, ainda assim, um novo corte de taxas este mês de 25 pontos base.