Especificações regulamentares
Em 2024, o panorama internacional de reporte de sustentabilidade continuará em transformação acelerada. A União Europeia oferece um quadro regulamentar de referência, mas existem hoje mais de 800 instrumentos obrigatórios de reporte de sustentabilidade emitidos por governos em todo o mundo. As empresas exportadoras portuguesas devem conhecer as especificidades de cada mercado.
No contexto europeu, muito se tem discutido sobre a inevitabilidade das empresas adotarem – e reportarem – práticas de sustentabilidade. Aliás, tanto a nível internacional como nacional, há um número crescente de quadros e documentos de orientação gerais e específicos (sectoriais), bem como uma grande evolução nos requisitos regulamentares de divulgação, o que contribui para que este percurso da sustentabilidade não seja opcional mas sim obrigatório.
De acordo com o Global Survey of Sustainability Reporting 2022,1 os Standards GRI (Global Initiative Reporting) e o TCFD (Task-Force on Climate-Related Financial Disclosures) foram os instrumentos mais amplamente utilizados e que servem de base aos relatórios. Em 2022, o European Financial Reporting Advisory Group (EFRAG), a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) e o International Sustainability Standards Board (ISSB) elaboraram várias propostas de normas de disclosure relacionadas com a sustentabilidade e com questões associadas ao clima.
A União Europeia, em particular, tem vindo a tomar uma posição de referência na produção de normas e standards para uma maior simplificação e harmonização. Estas são regras que as empresas têm que cumprir para poderem participar nas cadeias de valor e nos fluxos de financiamento e manterem-se competitivas nos mercados internacionais. Mais empresas estão hoje sujeitas à Diretiva de Reporte de Sustentabilidade Empresarial (CSRD ). O CSRD vem exigir que as empresas europeias reportem a sua atividade quanto a uma multiplicidade de tópicos ESG, à luz dos Standards Europeus de Reporte de Sustentabilidade (ESRS), mas também se estende às empresas que, embora não baseadas na UE, aqui tenham empresas subsidiárias, gerem elevados rendimentos ou tenham um grande número de funcionários.
Para além da União Europeia:
Contudo, não é só a UE, enquanto organização, que tem vindo a introduzir novas regras e padrões de disclosure com o objetivo de aumentar a transparência e a consistência dos dados comunicados. Vários mercados, em diversas geografias, têm vindo a apresentar exigências para que as empresas divulguem os seus riscos financeiros relacionados com o clima e com os impactos na sociedade, às quais as empresas portuguesas não podem ser alheias.
No espaço alemão, por exemplo, existem regras que as empresas que ali façam negócios terão que cumprir. A Lei Alemã da Devida Diligência da Cadeia de Abastecimento (Lieferkettensorgfaltspflichtengesetz - LkSG),2 tem como objetivo melhorar a situação dos direitos humanos ao longo das cadeias de abastecimento, o que inclui, entre outros aspetos, a proteção contra o trabalho infantil, trabalho forçado e discriminação, o direito a salários justos e a proteção do ambiente.
Em vigor desde janeiro de 2023 para empresas com mais de 3000 trabalhadores, a Lei será igualmente aplicada a empresas com 1000 trabalhadores a partir de janeiro de 2024. Estas obrigações aplicam-se à própria área de negócio da empresa, às ações dos parceiros contratuais e às ações de outros fornecedores (indiretos). Isto significa que a responsabilidade das empresas não começa nem acaba nas suas próprias fábricas, mas existe ao longo de toda a cadeia de abastecimento. É uma legislação abrangente, incorporando empresas de todos os setores, independentemente da receita ou localização da sede. Exige que os fornecedores diretos ou, em alguns casos, indiretos, criem um sistema de gestão de risco, nomeiem um responsável pelos direitos humanos, estabeleçam um procedimento de queixas e cumpram as normas sociais e ambientais. Neste quadro, mesmo as empresas portuguesas mais pequenas também podem ser indiretamente afetadas por esta lei, designadamente enquanto fornecedoras.
Também as empresas que querem ter uma presença no mercado norte-americano terão que cumprir determinados requisitos. Neste contexto, existe regulamentação relativa à ação climática e existem especificidades normativas em algumas cidades americanas. Isto significa que as empresas portuguesas terão que prestar particular atenção aos requisitos de reporte em cada contexto onde operam. Não basta, portanto, estar ciente das regras ao nível nacional, uma vez que o ESG tem manifestações (entenda-se exigências) também ao nível sub-nacional e local.
Os Standards de Reporte de Sustentabilidade do Reino Unido (UK SDS),3 por sua vez, constituem a base da legislação e regulamentação para que as empresas reportem as informações respeitantes aos riscos e oportunidades relacionadas com a sustentabilidade, incluindo os decorrentes das alterações climáticas. Estas normas, que serão adotadas em Julho de 2024, são baseadas nos IFRS Sustainability Disclosure Standards do ISSB e deles só se desviarão para assuntos específicos do Reino Unido. A utilização destas normas como base prende-se com o objetivo de que as informações que as empresas divulgam sejam globalmente comparáveis e úteis para as decisões dos investidores.
No contexto do mercado Australiano, o caminho também é no sentido da maior clareza e obrigatoriedade do reporte de sustentabilidade. O governo encontra-se no processo de adotar divulgações obrigatórias sobre o clima, também baseadas nos standards do ISSB.4 Equivalendo à maior mudança no reporte empresarial ocorrida em décadas, os standards, que serão implementados de forma faseada a partir de 2024-25, irão exigir que as empresas apresentem relatórios abrangentes sobre os riscos e oportunidades que poderão afetar as suas perspetivas a curto, médio e longo prazo.
Até recentemente, e ao contrário dos relatórios financeiros, a divulgação de sustentabilidade tem sido em grande parte de natureza voluntária. No entanto, o mundo empresarial encontra-se hoje perante uma pressão clara e irreversível no sentido de cumprir requisitos mais rigorosos. Estes são requisitos impostos por parte dos governos, reguladores financeiros e bolsas de valores, entre outros stakeholders. Um levantamento recente aponta para a existência de mais de 800 instrumentos obrigatórios de reporte de sustentabilidade emitidos por governos em todo o mundo.5 Isto significa que, independentemente da geografia, do setor ou do tamanho das empresas, o mundo converge para a necessidade de incorporação de estratégias de sustentabilidade.