O Brasil está apostado em estreitar laços e em reduzir distâncias com a Europa e, em especial, com a indústria portuguesa de curtumes e do calçado, à boleia da sua crescente aposta na sustentabilidade e em produtos mais amigos do ambiente. Mas não só. Há outras indústrias em vista, como o automóvel ou o têxtil, e há até quem pretenda instalar-se em Portugal para melhor servir o mercado europeu.
Tinta invisível para sapatos
É o caso da OTB, empresa com sede em Franca, São Paulo, que criou uma linha de marcadores UV designados por Invisible Pen já que, tal como o nome indica, se trata de uma tinta invisível, que só se consegue ver com luz ultravioleta. A OTB, que há dez anos iniciou o caminho da internacionalização, tem hoje já uma segunda fábrica em Leon, no México, com a qual abastece mercados como os Estados Unidos e o Canadá.
São 20 os países para onde exporta e, embora Portugal só tenha integrado esta lista há um ano, é já o seu principal destino externo, à boleia de um fabricante de calçado brasileiro que passou também a produzir em Portugal e trouxe consigo as Invisible Pen, cuja tecnologia, patenteada no Brasil e México, está agora em fase de homologação na União Europeia.
"Como a tinta é invisível a olho nu, permite a marcação de costuras na pele e outros materiais, sem que seja necessário, como nos métodos tradicionais, da caneca de prata ou térmica, apagá-las, quando as costuras estão feitas, o que acaba por reduzir etapas na produção e deixar o calçado mais limpo", explica Alison Machado, responsável da empresa, que tem em Portugal clientes como o grupo Kyaia ou o Calçado Samba.
Com duas fábricas, a OTB dá emprego a 150 pessoas e faturou, em 2022, cerca de 30 milhões de reais (5,4 milhões de euros). Portugal não representa mais de 10% - Itália vale 5% -, mas o objetivo de Alison Machado é conseguir, no espaço de dois anos, atingir uma quota de mercado de 90% na indústria portuguesa de calçado. Para isso, quer instalar em Portugal uma unidade produtiva que sirva de hub de distribuição para toda a Europa. A indústria automóvel, o vestuário, a marroquinaria, mas também o setor gráfico são outros clientes em vista, já que a tinta pode ser usada em caneta, em carimbos ou adaptada a máquinas de impressão.
Cada caneta permite marcar cerca de 120 pares e custa, em média, 80 cêntimos a um euro. "É mais barato trabalhar com a OTB do que remarcar com os métodos tradicionais", defende Alison Machado, que explica ainda que as canetas são 100% recicláveis, graças a um projeto de "logística reversa", através do qual a empresa recompra as "carcaças" das canetas e as reutiliza. Cada uma pode ser reutilizada até 20 vezes. No imediato, a OTB quer crescer 25% em 2023, com as exportações a valerem já 15%.
Principal salão de inovação de materiais
Esta foi uma das 150 empresas brasileiras que esta semana participaram na 27.ª edição do Inspiramais, que se assume como o principal salão de inovação e design de materiais na América Latina. Pelo salão de exposições de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, um dos principais polos da indústria brasileira do calçado, passaram cerca de sete mil visitantes que quiseram conhecer os mais de mil novos materiais que os setores dos componentes, dos químicos, dos couros e dos acessórios tinham para apresentar.
Também a Brisa, empresa especializada em tecidos tecnológicos, começou há dois anos a dar os primeiros passos na exportação para Portugal, para onde vende materiais de alta performance para calçado desportivo ou de segurança, entre outros.
Com uma fábrica em Salvador da Baía, onde dá emprego 200 pessoas, a Brisa fatura 180 milhões de reais (32,6 milhões de euros) e exporta cerca 10% para os países sul-americanos, como a Argentina e Colômbia, para os EUA, para a Europa - onde conta com um distribuidor na Holanda - e para a Índia.
"O Brasil tem um grande potencial em toda a cadeia produtiva, não só no calçado, mas também no vestuário, nos estofos residenciais e para automóvel, além de aplicações técnicas para setores como a saúde, mas a intenção é a de aumentar a expansão internacional, que gostaríamos que, nos próximos cinco anos, valesse já 20 a 30% da nossa faturação", explica Alexandre Xavier, responsável da empresa. Quanto a Portugal, os planos passam por visitar o país, este ano, para fazer "um estudo de mercado mais detalhado".
Origem portuguesa
Já a Endutex Brasil é uma subsidiária da portuguesa com o mesmo nome, um grupo criado há mais de 50 anos em Caldas de Vizela e igualmente especializado nos têxteis técnicos, designadamente, nas lonas para publicidade, para camiões ou simplesmente para fazer capas de proteção para pescadores ou bombeiros. Foi em 1998 que Vítor Abreu, CEO do grupo, decidiu instalar uma empresa em Três Coroas, município brasileiro de Rio Grande do Sul, um dos polos mais importantes do calçado, indústria que ainda hoje representa 85% das vendas da Endutex Brasil. Uma aposta que resultou da necessidade de dar "resposta rápida" às solicitações das fábricas brasileiras, mas também para fugir às elevadas taxas aduaneiras que os produtos importados da Europa ainda hoje pagam.
Com 250 trabalhadores, a empresa faturou, no ano passado, 280 milhões de reais (51 milhões de euros), que são obtidos, quase em exclusivo, no mercado brasileiro, a par de algum negócio "residual" com a Argentina. Para 2023, a expectativa aponta para um crescimento de 5 a 10%, com uma aposta maior na melhoria da rentabilidade do que propriamente no crescimento exclusivo do volume de negócios.
"Um dos pontos mais fortes da Endutex Brasil resulta do facto de termos homologado os nossos produtos junto das principais marcas de desporto do mundo, como a Nike, Adidas, Puma, Diadora, Asics e outras, o que elevou a fábrica a um patamar muito superior", diz Vasco Silva, sócio-gerente da empresa. O calçado desportivo representa 40% do volume de negócios da Endutex Brasil, que está a apostar fortemente no crescimento de outras áreas de negócio, como o setor dos componentes para automóvel. O objetivo é que, dentro de três anos, este segmento, onde a casa-mãe em Portugal está também a apostar, possa representar 20 a 30% das vendas.
Peles de tilápia
Na Inspiramais estiveram ainda, a convite da organização - é uma parceria da Assintecal, a Associação Brasileira de Componentes para Couro, Calçados e Artefactos, com o Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confeção e a Associação Brasileira das Indústrias de Mobiliário, que conta com o apoio do programa By Brasil de apoio à internacionalização da economia - 20 jornalistas estrangeiros e 30 empresários de vários países da América Latina, mas também dos EUA, de Inglaterra, de Portugal e até da Rússia. Este ano, os portugueses que visitaram a feira foram a Plumex, de Pombal, e o SB Group, de São João da Madeira, ambos à procura de novos materiais, novos fornecedores e, quem sabe, de novos clientes.
Rui Silva, responsável do SB Group, gostou do que viu. "Foi uma viagem muito positiva em que tive oportunidade de ver materiais diferentes, como as peles de tilápia (um peixe de água doce) e outras. E, sobretudo, gostei de perceber que há uma grande preocupação com a certificação dos produtos e as questões da sustentabilidade. Agora, é esperar que me enviem as amostras, para podermos testar os materiais, numa perspetiva de iniciar negócio", diz.
As altas taxas aplicadas pelo Brasil
Menos entusiasmado estava Henrique Carlos, da Plumex, que não encontrou materiais alternativos ao poliuretano e ao fio de nylon que usa, e que importa de Itália e Espanha, o que implica que, substituí-los por produtos brasileiros teria sempre custos acrescidos em termos de transporte. Ia também com o intuito de encontrar eventuais clientes no Brasil, mas percebeu que será difícil.
"É uma economia muito fechada, que impõe taxas de mais de 70% aos produtos que entram no país, o que torna a operação totalmente inviável", diz, lamentando a falta de reciprocidade da União Europeia nesta matéria. "Em Portugal e na Europa consomem-se milhões de pares de sapatos brasileiros que não pagam taxa nenhuma para entrar. E cada par que entra é menos um de produção local que se vende", lamenta. A expectativa do setor é que o acordo da UE com o Mercosul, metido na gaveta por Jair Bolsonaro, possa agora vir a ser retomado com Lula da Silva.