A primeira edição da Première Vision Montreal arranca já amanhã. No âmbito da presença portuguesa na feira, a delegação da AICEP em Toronto partilhou, em entrevista ao T Jornal, a sua perspetiva sobre as oportunidades e os desafios que as empresas do setor têxtil e vestuário (STV) enfrentam ao procurar entrar ou consolidar a sua presença no mercado canadiano.
A conversa sublinha o crescente reconhecimento internacional da indústria têxtil portuguesa, alicerçado na qualidade, na sustentabilidade e na inovação. Foram ainda abordados temas como o panorama competitivo, a importância das certificações e os segmentos de mercado com maior potencial de crescimento.
Como é que os compradores e marcas percecionam o têxtil nacional?
Em termos gerais pode dizer-se que já existe no Canadá, nomeadamente junto do trade, algum conhecimento sobre a qualidade e capacidade da indústria têxtil portuguesa. No que respeita ao sector do vestuário, são muito poucas as marcas portuguesas presentes no mercado canadiano, e as que existem têm uma visibilidade limitada. Porém, o volume de artigos fabricados em Portugal disponíveis no mercado tem vindo a aumentar consistentemente, tendo as importações de vestuário “Made in Portugal” mais que triplicado na última década.
Vários factores contribuem para esta ideia positiva sobre o têxtil nacional. Em primeiro lugar a ideia de sermos um produtor Europeu com uma indústria têxtil capacitada, com qualidade e tradição. Há uma percepção de que se fabrica bem em Portugal, de que temos know-how, bem como capacidade de inovação e design. A isto acresce uma noção de maior proximidade, e um sentimento de fiabilidade do serviço e relacionamento com os fabricantes portugueses.
Sabe-se que não temos os custos mais baixos, como os dos fornecedores asiáticos, mas que somos competitivos, e podemos ser um bom parceiro para marcas canadianas de qualidade e com volumes de menor escala.
A sustentabilidade é um factor cada vez relevante para as marcas canadianas, e aqui há também uma boa percepção de que os fabricantes portugueses (e europeus em geral) estão à frente no compromisso com as questões éticas e ambientais.
Podemos dizer que os compradores e marcas canadianas, embora de forma diferenciada e ainda a evoluir, têm uma percepção favorável da indústria portuguesa, e de que esta pode oferecer boas oportunidades a explorar para desenvolvimento e produção das suas colecções. Para empresas canadianas que já exportam para alguns países europeus, criar parcerias de produção em Portugal, e a partir daí exportarem para outros mercados, pode igualmente ser uma estratégia de crescimento da sua presença no espaço da UE.
Que desafios as empresas portuguesas podem enfrentar ao entrar ou expandir para o Canadá?
Canadá é um mercado sofisticado, muito competitivo, e fundamentalmente abastecido por importações oriundas de países asiáticos, com custos de produção bastante mais baixos e onde muitas empresas canadianas já têm canais de produção estabelecidos há muitos anos. Destacam-se quatro grandes fornecedores: a China, o Vietname, o Bangladesh e o Camboja, que no seu conjunto representaram mais de 67% do valor total das importações de vestuário do Canadá, em 2024. Outros fornecedores relevantes, que em grande medida também competem pelo preço, são a Índia, a Indonésia, o Sri Lanka, o Paquistão, e ainda a Turquia.
Um outro aspecto determinante é o acordo de livre-comércio CUSMA (Canada-US-Mexico Agreement), que facilita a entrada no Canadá de bens produzidos nos EUA e no México. As grandes marcas americanas, em particular, beneficiam deste regime. Naturalmente, a proximidade geográfica, a enorme integração económica dos dois países, e padrões culturais e de consumo semelhantes, fazem também parte desta equação.
Dentre os países europeus a Itália é de longe o grande parceiro, sendo o quinto fornecedor em termos globais. Aqui há que assinalar que Portugal é, na Europa, o segundo exportador de artigos de vestuário para o Canadá.
E não podemos esquecer a própria indústria têxtil e de confecção canadiana que continua viva e a ser competitiva em certos segmentos do mercado. Há várias empresas canadianas, algumas bem conhecidas, que fazem parte da produção localmente (p.ex. Canada Goose, Peerless Clothing, Arc’teryx, Mackage, Aritzia e outras, maioritariamente nas regiões de Montreal e de Toronto).
O Canadá é um mercado geograficamente muito vasto e com algumas diferenças regionais, o que tem implicações logísticas em termos de custos e tempos na distribuição dos artigos para áreas mais afastadas dos grandes centros de Toronto e Montreal.
No tocante aos aspectos regulamentares há um enquadramento diferente da União Europeia e dos EUA, mercados com que a maior parte das empresas portuguesas estão mais familiarizadas. É importante que os nossos fabricantes procurem ter algum conhecimento das regras, procedimentos e documentação necessários para exportarem para o Canadá; bem como dos requisitos de rotulagem, standards, e regras particulares que se aplicam a determinados artigos. (p.ex. no que respeita a flamabilidade de materiais, produtos químicos utilizados na produção e outras).
O retalho é em grande medida dominado por grandes cadeias, com lojas espalhadas por shopping malls tradicionais, grandes espaços comerciais exteriores, e ainda centros de lojas tipo Outlets. Estas grandes cadeias têm sistemas de aprovisionamento e uma logística de distribuição sofisticados, que exigem capacidade de resposta adequada por parte dos fornecedores.
Para empresas portuguesas que procurem introduzir as suas próprias marcas no Canadá, é fundamental estarem preparadas para investir em actividades de promoção e marketing, com vista a criar visibilidade para essas marcas e desenvolver a presença no retalho. Esses custos podem ser bastante significativos, e muitas vezes o investimento maior fica do lado do produtor.
Os desafios são grandes, mas há seguramente oportunidades para empresas nacionais!
Que tipo de certificações ou requisitos são valorizados?
A evolução recente das tendências do mercado e das preferências dos consumidores são factores fundamentais a ter em conta para desenvolver uma estratégia de entrada no Canadá. Os consumidores canadianos são exigentes no que respeita à qualidade, mas podem ser um pouco “conservadores” quanto aos preços. A percepção duma boa relação qualidade-preço é muito importante. Para além disso, as questões da ética e sustentabilidade, bem como da rastreabilidade a nível da cadeia de produção, são cada vez mais factores de decisão de compra. Muitos consumidores querem saber onde, como e com que materiais foram produzidos as peças de roupa que compram e vestem.
A utilização de materiais sustentáveis e fibras orgânicas é bastante apreciada. Tudo o que possa evidenciar a responsabilidade social e compromisso da empresa/marca com a causa ambiental acrescenta pontos. Nesse sentido, muitas empresas canadianas estão a procurar obter a certificação “B Corp”.
A ideia de economia circular continua a ganhar força, e estão a aparecer no mercado mais produtos fabricados com têxteis reciclados, que vêm ao encontro da maior sensibilidade dos consumidores para a necessidade de reutilização de materiais e de extensão da vida dos produtos.
Relativamente a certificações dos materiais têxteis e outras associadas ao sector, a indústria canadiana parece não ter ainda o mesmo grau de desenvolvimento já alcançado na Europa. Porém, muitas empresas valorizam as certificações GOTS, OEKO-TEX (Standard 100) e BLUDESIGN. Nos artigos que utilizam enchimento de penas e plumas de aves (Down), a certificação RDS é importante.
Que apoio a AICEP pode prestar às empresas portuguesas que queiram investir neste mercado?
A AICEP pode apoiar as empresas nacionais que procurem entrar no mercado canadiano de várias formas. Isto inclui informações sobre o mercado, aspectos regulamentares, e aconselhamento quanto a formas de abordagem a prosseguir. Prestamos também apoio na identificação de importadores, distribuidores, e outros parceiros e prestadores de serviços relevantes; bem como na facilitação de contactos com empresas e entidades canadianas, na identificação de oportunidades de negócio, na preparação de visitas ao mercado ou participação em eventos locais.